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domingo, 9 de janeiro de 2022

O "deus" que há em nós

 



A figura de um deus está na nossa cabeça, mesmo a dos ateus.  É um exercício de imaginação e, de certa forma, tenho inveja daqueles que acreditam realmente em sua existência.  Eu gostaria de acreditar, mas não consigo.  Leio, pesquiso e ouço mas se eu desisti de enxergá-lo ou de ser cutucado, ou mesmo sentir as dores de uma punição divina depois de alguma blasfêmia que certamente proferi contra o Próprio (perceba o "P" maiúsculo) .  Li algo sobre uma inscrição achada em alguma parede do campo de concentração de Aushiwitz, algo assim: "Ele terá de explicar isso"...  Que tipo de homem provocou tudo isso e, sendo criação de um ser divino, foi autorizado a fazer e continuar fazendo.  Como pode uma criança sofrer com doenças incuráveis e levadas de nossa convivência dias, meses, poucos anos após seu nascimento.  Se há deus, Ele joga os dados para quem sofre e para os que não?  Dizem: "joguei pedras na cruz!" para explicar tristezas, tragédias pessoais etc... Será mesmo que a nossa existência está pautada não por aquilo que podemos produzir ou colaborar com o mundo, mas por aquilo que fizemos em vidas passadas, aquelas coisas que sequer lembramos ou temos a possibilidade de lembrar,  para sermos punidos.  

Nos meus tempos de repórter policial, década de 80 em Rio Claro, conheci um investigador que havia escolhido a carreira por ter perdido sua mãe assassinada por alguém desconhecido. Por mais que andasse com a pasta do crime debaixo do braço e vasculhasse lugares e interrogasse suspeitos, o caso nunca avançou...até que o pai foi acometido por algum tipo de demência e em algum momento, reconheceu ser o autor da morte...não foi bem uma confissão já que não sabia o que e para quem falava, mas esclareceu o caso.  Lembro que o tal policial cuidava do pai, não tinha irmãos...e de repente a morte da mãe foi esclarecida e, olhando para o pai, decidiu que nada mais poderia ser feito...Cuidou dele até que a morte o levou.  Oficialmente, o caso foi encerrado sem conclusão.  

Não tenho lembranças de qualquer outra vida e sequer imagino algo assim...aliás, não tenho uma outra vida preferida além dessa aqui.  Se não sou feliz, não conto com outra tentativa.  Se cometi crimes em outra vida, que tipo de punição, carma ou destino justifica eu não saber o que eu fiz de errado.  Foi isso que o policial pensou com relação ao pai: puni-lo por algo que não sabia ter feito? E quem foi punido: o pai, que assassinou a esposa ou o filho que teve que engolir o caso e seguir em frente, até que a natureza cumprisse seu fadário?

Tenho para mim que foi a ciência, ou os cientistas, que abriram o espaço para que a figura de um ser superior ganhasse espaço na humanidade.  Explico: trata-se da curiosidade científica do homem que deus existe.  Imagino o homem primitivo, mergulhado em seu próprio senso de finitude, ter buscado explicação para sua extinção física.  Se hoje ainda não temos qualquer indício de continuidade dessa vida em outra, imagino que o homem também tenha se deprimido com a falta de perspectiva e sentido. É para isso, é para aquilo que estamos aqui...a inteligência nos coloca individualmente como algo distinto dos demais.  O que pode ser pior se essa "distinção" esbarra no destino comum e geral da morte? Eu sinto uma dor que os demais não sentem e os demais tem dores que Eu não sinto...é difícil se convencer que a bala que entrou em minha carne fará minha vida escoar como qualquer outra.  

Uma senhora, vizinha, morreu há tempos... Morreu e, seu filho, após cremar seu corpo, esparramou suas cinzas no jardim da casa.  E vendeu a casa... Talvez haja algo, talvez não...o fato é que a dita senhora será esquecida.  Imagino que seja por isso que os homens criaram os cemitérios e os túmulos, cuidando para um prosseguimento do culto à vida após a morte.  Penso que esses lugares nos fazem imaginar que existe um elo ou uma passagem para o "outro" lado... Até as histórias de terror, de fantasmas, alimentam a ideia de uma continuidade, uma ponte.  Quando o fantasma assombra uma casa isso indica que há alguma coisa...que podemos ter consciência depois que nos formos e nos confrontarmos com nosso destino no sobrenatural. As almas presas no mesmo espaço que os vivos nos garante que seguimos conscientes para a eternidade. O homem soube em proveito próprio enxergar nas dúvidas da nossa existência a motivação para seguir adiante.  

Mais que isso, se o questionamento inicial que buscava explicações descambou para a criação de "deus" ou "deuses", podemos considerar natural ou explicável essa guinada: não há explicação que afirme a Sua existência.  O funil ou o gargalo se estreita na "fé", comum justamente em todas as religiões e seitas.  Não há comprovações mas existe a fé.  Acredita-se porque na fé se justifica o nada comprovado...e isso é melhor que não crer na existência de algo mais, seja lá o que isso for. Pensar que o "eu" vai desaparecer é um desapontamento que o homem não tolera. De um momento para outro, tudo se perde...definitivamente.  O vazio, o vácuo do nada não é algo atraente. O que é essa sensação de nada sentir?  O nada é desaparecer como a cinza da vizinha em um canteiro de uma casa vendida...como não vejo, não falo, não sonho, não...nada? Tenho algo que me faz pensar agora, vivo...ao morrer, tudo desaparece...tudo. Desaparece...e não temos consciência disso. As religiões navegam nessa sinistra possibilidade, dão um ar de respeito individual aos que creem no deus e sua missão pessoal contra aqueles que acreditam em outro deus.  Aos eleitos, o paraíso e a passagem plena.  Ao menos, há o conforto da fé para a perda de entes queridos.  Ser ateu é uma carga pesada para se carregar ao outro mundo: não há conforto algum e você está apenas contigo...

O que virá, para quem virá...

Estou retomando a escrita.  Esses tempos pandêmicos foram terríveis, horríveis para todos, em especial pela presença do fascista no Planalto.  Se o mundo está triste por causa do coronavírus, o Bozo tornou o Brasil uma só depressão.  A ignorância, mediocridade e prepotência tiveram ares de legitimação.  Não é difícil perceber que em terras tupiniquins a coisa está feia, ruim, miserável...voltamos ao mapa da fome. Temos brasileiros que morrem de fome, além das milhares de perdas que tivemos com a pandemia...as outras doenças não deram trégua, o desemprego registra números impressionantes...e a recuperação apresentada se dá em ocupações informais, ou seja, sem garantias trabalhistas... Bom, escrevi o que se segue e sequer tive coragem de publicar na época, há quase dois anos.  Publico agora. Servirá de registro.  Algumas coisas ainda valem, outras, nem tanto.



Tropeço no novo normal que estar por vir.  Não sei bem como a sociedade deverá se organizar a partir dessa experiência originária da pandemia, mas acho que - aparentemente - o neoliberalismo levou um golpe profundo no fígado.  Estava tranquilo demais para os especuladores do mercado financeiro internacional: no Brasil a predação foi imensa em poucos meses de governo do fascista... O que os governos anteriores, petistas, ao menos cobriam a entrega ao capital com um discurso social (ouvia falar do endividamento social como o direito ao acesso ao consumo), bem típico, que mexeu na previdência já no início do governo Lula, os governos da direita, a partir de Temer, afundaram o pé em políticas predatórias... O país se afundou em destroços...
O Covid-19 foi a oposição que ninguém quer(ia).  O fascistinha que ocupa o Planalto tem razão quando insiste na fantasiosa política de ignorar o massacre dos  - atuais - 38 mil mortes. O eixo da intervenção neoliberal de destruição do serviço público foi quebrado.  De pronto, caso não fosse a existência do SUS, essa pobre e sucateada área de atendimento social, o mal tomaria conta por completo... A capilaridade precarizada pelos políticos que tiveram assento no Planalto central mostrou-se essencial para resistir e ser a barreira para a ação do vírus...a medicina privada, logo de cara, entregou-se, disposta a não atender aquilo que entende como procedimentos deficitários... Li que há uma crise no setor privado e que reivindicam ajuda oficial.  ou seja, mostrou a cara daquilo que se sabia.  Os planos de saúde pintaram e bordaram, tiveram lucros estupendos...ouvia até a presidenta falar de um suposto "plano de saúde popular", em substituição ao SUS...e até os hospitais universitários públicos federais invadidos pela figura privatizante da EBSERH - empresa pública de caráter privado, uma porta para a quebra da autonomia universitária e outra para a exploração comercial dentro de órgãos públicos.  Nesse último caso, eram favas contadas: o governo preparou tudo para a entrega à rede privada e, como isso não interessou às empresas de saúde, que estavam com seus planos de crescimento interrompidos pela natural crise do capitalismo, continuou alimentando essa aberração privatista.... Em outras palavras, na área de saúde, o público e o gratuito se mostraram necessário para conter o mal que se espalhou indistintamente pelas classes sociais, matando o que pôde através de um vírus que viajou pelas asas do lucro do capital, na indústria do turismo, das empresas aéreas, da rede hoteleira... a classe média, doidinha para viajar e surfar nos parcelamentos à créditos a perder de vista, se responsabilizou pela transmissão.  Comecei a ouvir do Covid-19, timidamente, desde dezembro...e na quarta-feira de cinzas, o jornalismo brasileiro "descobriu" que o país do Carnaval havia convivido com milhares de turistas italianos, espanhóis...europeus em geral, quando não chineses...com beijos, suores, abraços e sexo regados a corona vírus... Dá para desconfiar que deu merda?
Na prática, vemos que algumas coisas não podem voltar a serem as mesmas.... A rede privada de saúde fracassou (vide os EUA que não puderam dar o costumeiro espetáculo de eficiência, não só por causa do Trump, mas principalmente porque jogaram as cartas em seguros pagos que estão fora do acesso da população) e, se houver a insistência na mesma política, estamos nos suicidando.  Essa história de privatizar e "fiscalizar" mostrou-se inócua...destrutiva.  Tivemos dois ministros da saúde vindos de planos de saúde...um deles se dobrou e reconheceu a necessidade do público e o outro, passivo, saiu o mais rápido que pôde...o substituto atual, um general lambe-botas, até tenta obedecer ao imbecil que nos preside, mas é obrigado a voltar a trás e assumir a culpa...como um serviçal de  pijamas.
Outra coisa que me chama a atenção, a abertura e vagas em empresas de transporte por aplicativo: foi até usado como modelo para um novo mercado de trabalho, onde o trabalhador se transformou em empreendedor... sem garantias trabalhistas que o garantem em tempos ruins, aposentadoria etc... Deu para os que foram atrás disso...e como os táxis já sofreram com essa concorrência... Além disso, as pessoas voltaram-se para dentro de suas casas e, nesse período, aprenderam a conviver com a própria família... os entregadores por bicicletas e motoboys podem ter vivenciado um início promissor, com o aumento da procura, delivery etc...mas, estamos em crise, desempregados empreendedores se esparramando por esse mundão de D'us estão procurando soluções que não é o custo de alimentos feitos por restaurantes...ou seja, aposto que o pessoal está abdicando desse serviço e fazendo a própria comida.  Se eu estou fazendo isso...
Carros, está aí outra coisa que se tornou questionável...meu irmão comentou: o que um SUV (essa aberração bólida inútil) faz que um fusca de 4 décadas de idade não está fazendo agora?...estamos nos movendo menos, em uma área geográfica limitada, restrita... o modelo de carro para isso é bem menos complexo e caro... viagens? sério mesmo que o transporte individual, privado, será o mesmo... Centenas de estabelecimentos à beira de estrada estão fechados. Acha que abrirão com a consciência que tudo voltará à realidade do passado.  Aeroportos? Creio que as empresas descobriram-se inchadas, com gordura demais e que não poderão manter a política de bilhetes populares ou preços atrativos: definitivamente, é uma área perigosa.  Provavelmente , foi por esse transporte que o vírus chegou a nós tão rápido (a China, não esqueça, é nosso maior parceiro comercial)...e até agora, as propostas para dar segurança aos passageiros são até risíveis....a falta de sintomas que não significa a ausência da doença, é uma pedra no caminho.  Creio que será bom pensarmos na saída ferroviária.


De uma hora para outra, estamos em meio  um de muitas pandemias e o drama segue até conseguirmos a cura, o que leva meses e até anos....  Acredito que a própria industria farmacêutica, que notoriamente lucrou com as doenças não contaminantes, se veem pressionadas a abrir a mão dos lucros e salvar vidas...sob o risco de se tornarem também descartáveis e, certamente, deficitárias.

A educação, ora a educação, justamente em meio à pandemia, temos um estúpido inexperiente no ministério (e que também tem orgulho de ser fascista!): sequer sabe nos dizer para onde a educação do país irá depois da crise pandêmica (aliás, qualquer atividade que estejam sendo feitas nas universidades é mera conjectura do que é menos pior...).  Com toda certeza, o malfadado ensino à distância, que hoje banaliza o ensino universitário em plataformas didático-pedagógicas que não chegam aos pés da eficiência do presencial, será voltado às classes médias e baixas.  Como essas estão em crise permanente, acredito que terão que enxugar, e bem, suas atividades.  As elites e classes médias altas não abrirão mão do ensino presencial, mesmo que adotem políticas tecnológicas de ponta.  A dedicação exclusiva à educação é quase uma obrigação e necessidade para formação da camarilha que nos explora.  Provavelmente, surgirão bolsões de ensino voltados a esses mancebos, que serão os CEOs do futuro.  O restante, mera mão-de-obra barata e especializada.  Já tínhamos detectado:  as universidades tinham deixado de ser a opção que garantia o sucesso profissional e financeiro e o crescimento das mulheres nas instituições, graduações e pós, não significaria necessariamente o avanço de teses feministas, mas justamente o contrário: os homens estariam abrindo outros caminhos para continuarem a ser os arrimo das famílias... Assim mesmo, a convivência forçada nesses últimos três meses mostrou outro caráter às famílias, o cuidado com a educação infantil deixou temporariamente de ser terceirizada, ficando nas mãos dos próprios pais...e podem ter gostado disso, em conjunto com a possibilidade de profissões que permitam o trabalho em casa (home office).  Se até eu dispensei a faxineira do trabalho (mas não o salário), imagino que a relação de divisão de tarefas dentro das famílias teve seus impactos, mexendo muito até com os relacionamentos... isso deverá ter suas repercussões naquilo que se quer, se procura e se deseja nas pessoas.... algo que a superficialidade das redes sociais (que, aliás, estão chatas e baixas) não poderá preencher... Aliás, que eu saiba, há um aumento significativo das violências contra a mulher e separações, o que imagino que se converterá em avaliações mais criteriosas com relação a namoros, noivados e casamentos...ou mesmo a encontros casuais...