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quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

A febre que nos vem do descaso


A febre amarela é a doença que nos acossa esse ano.  Se a memória for razoável, lembrará que, há anos, temos sido acossados por algum vírus transmitido pelos mosquitos.  Toda entrada de verão e acompanhamos o mapa das mortes e transmissões, áreas endêmicas....casos pontuais e outras denominações.  Brincadeira não é, muito menos teoria da conspiração, mas natureza perversa do momento em que vivemos.  Em outras palavras: é previsível que a cada verão esperemos o avanço do mosquito de suas doenças. essa previsão, ao que parece, não é levada em conta por aqueles que justamente teriam que ser responsáveis pela antecipação dos cuidados.  Se não teremos vacinas suficientes, providenciarmos com tempo as doses necessárias para salvarmos algumas vidas a mais.  O descaso atual é visto no tal fracionamento:  a dose recomendada pela OMS é de 0,5 ml, suficiente para desencadear -  em média estatística - a melhor e mais rápida reação ao vírus atenuado... a questão é tempo e imunizar no período mais curto possível é a necessidade.  O que passa é que os governos federal, estadual e municipal economizaram no planejamento, rezaram aos deuses e não foram atendidos...os mosquitos transmissores, apesar de todas as orações e torcidas, retornaram, confirmando todas as estimativas...e voltaram com força maior, já que o combate empreendido nos anos anteriores seguem o descaso atual.  Temos um surto crescente, assim como mortes a mais, péssima referência em ano eleitoral.  Inventaram essa de fracionar e, de certo modo, resolve o problema...mas a possibilidade dessa imunização demorar é - digamos - cinco vezes maior.  O corpo de cada um é que responde pela própria reação.  É por essa razão que a vacinação de febre amarela fracionada não é aceita para viagens internacionais.... O sujeito pode contrair a doença antes que o corpo do mesmo possa reagir. 
Outra coisa é que o mosquito em si não encontrou obstáculos para seu avanço....continuamos falando ainda de vasos, poças, caixas d'águas abertas etc.., dentro de nosso espaço geográfico...e o Estado apenas responde com o fumacê ou com patrulhas que, como se pode ver pelo surto de FA, não conseguiu sucesso algum, ou resultado ínfimo.
O mosquito, por si só, tem seu papel no eco-sistema...não sei bem qual, mas tem (talvez para servir de alimento a peixes...lambaris, quem sabe)....todos os seres vivos tem...caso contrário, não existiriam.... Até o momento não se fala em descobrir esse papel e desencadear trabalhos para mantê-los circunscritos no meio do mato... Assumimos que eles estão na cidade, vivem entre nós e tratamos de nos envenenar  junto com ele. 
Com a tecnologia que temos e com os recursos acadêmicos, esse surto anual já devia ter sido detida. Já o foi no passado, no início do século XX, em uma cruzada que desmontou arquitetonicamente o Rio de Janeiro e São Paulo, entre outras cidades.


Não resta dúvidas que o caso não é incompetência, mas uma política premeditada em tirar da tragédia da saúde pública o lucro... a começar do tal descaso: em primeiro, ninguém lucra com aquilo que é dever do Estado...não se pode ter lucro com o direito de alguém...daí a razão dos recursos para a saúde serem constantemente subtraídos em tenebrosas transações... Até hoje, vendo os Sérgios Cabrais da vida e os milhões desviados, não vejo punições para as mortes que provocaram.  Mas apenas, para o dinheiro que furtaram.  As mortes no RJ por febre amarela são resultados claros da corrupção...assim como no restante do país.
A não tomada de providências tem outro sentido para mim: a de abrir espaço para o lucro vindo da iniciativa privada investindo "emergencialmente" naquilo que cabia ao Estado garantir. Já se fala agora dessas parcerias...e cada vez mortes e desesperos faz esse campo do empreendedorismo parecer cada vez mais atraente para os desesperados.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Sobre o Lula preso ou ressuscitado


Dia 24 de janeiro, o ex-presidente Lula será julgado em 2ª instância, no Rio Grande do sul...Já foi condenado em primeira.  Logo, poderá ser - além da confirmação da sentença - preso.  Não desejo isso, por mais que queira que justiça seja feita, mas o que temos aí é o judiciário burguês, que atende aos interesses da classe que não é minha.  Logo, tenho a impressão que será condenado.  Sem perder o foco que o ex-presidente está sendo hostilizado para que não participe das eleições de 2018, tenho para mim que as acusações que lhe fazem precisam ser esclarecidas.  Afinal, realmente existem lacunas a serem preenchidas e, por mais que os petistas e aliados evitem falar ou relevem, existe um triplex, existe um sítio em Atibaia, existem containers com objetos do Planalto etc... seu patrimônio cresceu absurdamente nesses anos de poder .  E pelo papel modelar que assume diante do eleitorado, ignorar significa se omitir. Mas outros fazem pior, dirá o mais simplório dos simpatizantes petistas, e nada acontece.  Sim, mas o mundo da corrupção é deles, da direita, não daqueles que cresceram na luta sindical, social, dos trabalhadores... Esperar que o Lula seja julgado (ou não) com igualdade pelo mesmo judiciário que se omite diante de Aécios e quejandos, é dizer: todos nós somos da mesma espécie.  E não somos.  A lei que aí está é reflexo da luta de classes, do domínio de uns poucos sobre os muito.  E Lula pode ter trocado de roupa, vestido um terno de grife e, até, bebido um vinho bom... mas será sempre um egresso do operariado. Sei que muitos petistas acham que isso é possível...e eu acho que é a surpresa pelo andar da carruagem que mais os atormentam.  Não faltou esforço para o PT querer se igualar aos demais: em primeiro, recusou-se a ir ao confronto, como seria de esperar de um suposto partido de esquerda e das próprias propostas de mudanças...pelo contrário, chamou os algozes, derrotados e na pior nas eleições do início do século, e permitiu que os mais retrógrados políticos se recuperassem politicamente dentro do governo.  Governabilidade, diziam, mas a estratégia não precisou fazer água....ela nasceu morta.  O próprio governo petista tomou o rumo de administrar "melhor" o capitalismo, aproveitando os bons ventos do neoliberalismo no país... Comprovando isso, mentiu descaradamente dizendo que a dívida externa estava paga, ao mesmo tempo que assinava acordos de colaboração com o Banco Mundial, FMI etc...entregou aos estrangeiros e ao sistema financeiro as terras tupiniquins.... Mostrou boa vontade com a burguesia e promoveu a reforma da previdência de 2003, um rascunho tímido mas impactante - sob a lógica nada social do capitalismo - que atordoam os aposentados e trabalhadores desde então.  O que se passa hoje na gestão Temer nada mais é daquela mexida na previdência, que permitiu distorções, desvios e falcatruas com o futuro dos trabalhadores.  Lado perverso de um governo saído da luta sindical, o governo não teve escrúpulo algum de usar as centrais sindicais governistas (CUT) para conter os trabalhadores... Aliás, relembrando, foi a própria CUT (do ABC) que encaminhou uma proposta de validar acordos locais sobre a própria legislação trabalhista... O investimento estrangeiro garantiu a estabilidade financeira, mas investimento é investimento...as conseqüências não tardaram...após privatizações, leilões e concessões, a crise veio ao mesmo tempo que Lula entrou em stand by, colocando no seu lugar o poste que é a Dilma...Só  para lembrar:  no final da segunda gestão lulista, a crise já se avizinhava e batia às portas e se dizia que o poste entraria na presidência para aplicar as fórmulas impopulares (e neoliberais), abrindo o caminho para o retorno do herói... O erro era contar com a concordância da própria... A reeleição foi raspando, nos 48 do segundo tempo...e no dia seguinte à divulgação dos resultados, a presidenta baixou o pacotão impopular... Deu no que deu.  Os "aliados" puxaram o tapete e humilharam a esquerda...de repente, a mediocridade de um governo vazio virou crime de responsabilidade. Diferente do Collor, que renunciou na iminência do impeachment, a Dilma saiu com o rabo entre as pernas falando em golpe.  Coisa estranha isso: golpe pressupõe que uma política é interrompida para a a inserção de outra....no caso, houve a continuidade da que estava sendo desenvolvida.  A máquina petista foi desarmada, e os mais de 30 mil cargos de confiança - sustentáculo militante remunerado - dissolveu-se.  Até hoje se vê sujeitos voltando às "bases" em busca de emprego.  Não há mais espaço para tantos profissionalizados.
Voltando ao julgamento do Lula....francamente...acho que será um favor ao Lula, como personagem da história política do país, que seja condenado e impedido de participar das eleições.  Em primeiro lugar, porque ele nada mudará e, por certo, dará continuidade à política do suposto golpista Temer... ele mesmo faz eco com a Dilma sobre a intenção de fazerem as ações que foram tomadas na área trabalhista, privatizações etc... E o que ele poderá prometer? Apenas um remoto retorno aos melhores tempos, aqueles que já passaram, onde o neoliberalismo internacional tinha o interesse de injetar recursos em um país endividado, mas que resistia. Já disse que não mexer na reforma trabalhista, na previdência, então, à vista do que já fez em 2003, nada fará...  E quanto à reforma agrária? Capaz... Se eleito for, será um governo cercado e incapaz de mover-se para qualquer lado que não seja o das alianças (que, aliás, sem fazer distinção entre golpistas e não golpistas, já estão sendo feitas para o período eleitoral) da direita.  Será, portanto, um governo inerte... Em segundo lugar...será duro apresentar alguma proposta diferente dos opositores....por força dos aliados à direita, sustentará o capitalismo com mero discurso de que é mais competente que o rei...e ficará por aí.  Em terceiro, creio que a figura histórica ganhará contornos que o desvalorizará como indivíduo que colaborou com o país para ser mais um político de duvidosa atuação... E se participar da eleição e perder? o que é uma possibilidade forte... uma pá de cal.  Enfim, um desserviço à história da esquerda no Brasil.  ficamos por aqui.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Dominados e dominantes

Há muito que se fala da pobreza como forma de dominação...o que falta dizer é que como capitalistas, isso é a própria natureza do sistema.  Para o capital, não há possibilidade do lucro sem que haja miséria...os que defendem apontam o tal livre mercado ou livre iniciativa, a existência de países "ricos" é a comprovação de que podemos dar certo (o certo aqui, significa, termos sucesso financeiro)...sem levar em conta que a tal dominação de uns pelos outros ou sobre os outros não se dá apenas em caráter tribal, mas mundial... Os EUA mantém em suas fronteiras seus miseráveis, mas tira dos países mais miseráveis ainda suas riquezas...falam que o tal modo de vida americano gasta quase 40% dos recursos naturais do planeta...como não há isso em terras norte-americanas, o tal espírito de polícia dos gringos os fazem caçadores de oportunidades nesse mundo afora... Nessa lógica capitalista, caso desejemos ser "melhores" (ou, sermos lucrativos como país) teremos que dominar, em primeiro, os pobres nascidos em terras tupiniquins e submetê-los física e mentalmente, como espiritualmente, além de levarmos o espírito de dominação geopolítica às terras dos outros... Seremos rico porque algum outro povo estará pobre... É a falha de parte da esquerda do Brasil: o PT passou mais de uma década e mais alguns anos utilizando instrumentos capitalistas de dominação, alimentando o neoliberalismo....estimulando a dominação de ricos sobre os pobres... Na verdade, alimentou o mito de que o capitalismo poderia ser melhor, quase socialista (ainda que no discurso que iludia seus próprios militantes) e que todos teriam sua chance.  O capitalismo, por sua vez, não dá chance para ninguém, nunca deu e nunca dará... O capitalismo somente é bom para uma pequena parcela da população e mesmo que haja alguma lenta rotatividade nas altas esferas da sociedade, sempre haverá uma pequena parcela da população no domínio da situação.  Não há, repito, qualquer maneira de tornar o capitalismo justo....e nem remotamente igualitário.  O capitalismo é, por sua natureza, injusto, discriminatório, safado e sem vergonha.  Para se ver, até no discurso dessa esquerda envergonhada que esteve de plantão no Planalto, se vê o caráter perverso do capitalismo: quando se falava do acesso do pobre aos aeroportos, se legitimava o espaço dos ricos, do poder do dinheiro...como se o alcance do crédito dos ricos (que dão as cartas nos meios de produção) fossem os mesmos alcançados pelos pobres (que apenas tem a força do trabalho para oferecer).... O pobre vai à universidade, mas não se fala dessa como instrumento de formação para o capitalismo... Aliás, de tudo que se fez à universidade nesse período petista de governar não foi a de modificá-la, mas de aperfeiçoá-la para atender ao mercado...seguindo as regras do acordo de Bolonha, aumentando vagas e criando cursos para formação de mão-de-obra barata - e abundante - para o uso do mercado...ou do capital... O tal empoderamento dos dominados, é claro, nunca se deu...e nunca se dará..  A educação é instrumento político e não se pode falar de mudança apenas em dá-la aos pobres fracos e oprimidos...é jogar a raposa no galinheiro.. O pobre vai à universidade porque os ricos precisam ser atendidos e precisam de dominados...Porque nunca se fala que as profissões de ensino superior são as que mais tiveram seus salários arrochados nos últimos anos, justamente no inchaço das universidades... E o crescimento acelerado dos programas de pós-graduação, que fez com que tivéssemos mais e mais doutores, mestres etc em panorama de pesquisa científica das mais deprimentes... Temos uma população endividada, formada sob capitalismo para serem consumistas...e isso não faz nada bem para o país...


https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/03/opinion/1514976809_616190.html

Baleias, baleeiros ...

Quando li Moby Dick, assisti algumas das muitas versões para o cinema, sempre me emocionava o encontro do homem com o leviatã... Me desculpem, mas a compaixão pelo animal só surgiu com a maturidade e a idade.  O que eu via era uma aventura, a jornada, a viagem... O mamífero era apenas a peça essencial para dar sentido à história dos homens.  Somente recentemente, retomando o interesse pelas coisas do mar, descobri a crueldade que o homem é capaz pelo lucro...e não só por ele, mas pela própria necessidade humana e moderna... As jubartes, cachalotes, francas não era perseguidas apenas pelo lucro de alguns, mas pela luz que iluminava as ruas das cidades...pela carne que alimentava e até pelo espartilho das donzelas... Para isso, quantos homens se fizeram ao mar...arpões nos braços, em pequenas embarcações, presas aos "monstros" que os arrastavam por quilômetros até que sucumbissem....uma festa de sangue, gordura e carne... Estranhamente, não se conta em nossa literatura o engajamento de parte de nossos homens do mar nessa faina... Diferente daqueles que vinham de outras paragens, não tinham nossos caçadores embarcações ou navios-fábricas que perseguissem as baleias pelo alto mar.  Partiam da praia, em canoas, escaleres até suas vítimas, cravavam seus arpões em aproximações furtivas... às vezes, eram jogados ao mar pelas convulsões de dor...morriam e eram esquecidos... Morta, arrastavam o animal até uma praia ou nas chamadas "armações"... cortadas em filetes, gordura retirada, assim como o espermacete.... carne distribuída aos pobres...  Muitas casas do litoral brasileiro foram construídas com argamassa "ligada" por gordura de baleia. Não sei o que sentiam esses homens...mas a rotina dessa morte, da chuva "garoada" de sangue nos estertores da agonia não devia dar a tal adrenalina..era apenas rotina, a lida cotidiana.  Deviam pouco ganhar, mas devia ser compensador para aqueles que - sem outra alternativa - se arriscavam no barco do patrão...  Descobrir no homem que arpoava o homem que lutava pela própria sobrevivência (assim como de sua família)  muda o foco... Os que matavam, faziam o trabalho sujo são sempre os que são explorados, aqueles que sempre caminham no fio da navalha.. é o homem comum, que não vê a si mesmo como o matador, mas como vendedor de sua força do trabalho, o único bem que tem.  Hoje, me emociono com a morte do animal... e me entristeço quando penso que homens enxergavam toda a terrível e sanguinolenta  atividade como algo cotidiana... Vejo naquele homem que matava a baleia o mesmo distanciamento daqueles que se aproveitavam dos benefícios da morte daqueles mamíferos...