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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Sem sentir a falta



Há quase um ano que Santa Maria vive sem o jornal A Razão. Depois de 83 anos de existência (creio eu), eu esperava que sua partida - ou final - tivesse mais impacto na cidade coração do Rio Grande do Sul.  Mas não, não há qualquer sinal que aquela publicação faz falta. Comecei a pensar nisso porque guardei exemplares da última edição:  não que eu consumisse aquela publicação...na ocasião, eu a procurei justamente por ser a última, só aquela. Logo, já naqueles momentos de agonia editorial, A Razão já não era uma publicação significativa há tempos, apagada, sem nada ou pouco a dizer que o seu mais novo concorrente não o fizesse com mais maestria. Aquela vetusta publicação atravessava há décadas uma crise, refletida nos problemas financeiros e nas ações trabalhistas: era um jornal ruim, com uma notória política editorial de doer, péssima mesmo.  E não apenas naqueles últimos dias de agonizante...Há 20 anos, quando atraquei meu barco por aqui, o jornal A Razão reinava sem adversários editoriais.  E primava por um jornalismo estreito, de má qualidade, que beirava - às vezes - ao politicamente incorreto (a presença de paraquedistas militares na Base Aérea foi anunciada como uma alegria para os homossexuais, já que estaria "chovendo" homens), passando pela falta de cuidados (o conserto da rótula da Vale Machado com Rua do Acampamento foi ilustrada por um médico cuidando de um joelho) até matérias de duvidoso valor jornalístico.  Certamente, era um jornal que afetivamente, marcou os santa-marienses.  Mas não deixou saudades, apenas lembranças, me parece, e nem sempre boas. Nos corredores do curso de jornalismo da UFSM, ainda correm as piadas entre os professores mais velhos e que trabalharam lá em outros tempos.  Mas são piadas e lembranças sobre a falta de condições de trabalho, atrasos salariais e até o não recebimento de salários, além do não registro profissional, a presença de profissionais não diplomados etc...
A começar que foram seus próprios donos que decidiram sacrificá-lo para que um outro jornal, o Diário de Santa Maria predominasse único - e sem dívidas -  no mercado. E, certamente, não houve uma quebra na diversidade de opiniões.  O A Razão alinhava-se, tal qual o Diário de Santa Maria, às opiniões expressas pela elite local... Nas mãos da RBS, o DSM até mantinha certa independência local, confrontando-se com seu concorrente, que dependia exclusivamente do que a região fornecia de recursos.  Agora não. O empresariado que, primeiro, assumiu A Razão e, posteriormente, se descartou do jornal e priorizou o adversário, fizeram o que fizeram voltados à interpretação de que a notícia é produto e o o resultado é o lucro.  Logo, a questão de opinião diversa ou diversidade da informação não é o foco do final anunciado de A Razão.  Não há diversidade. Aliás, para o agrupamento de cidadãos de bem que decidiram sua morte, a democracia não era um um dilema, mas um problema.  A elite local é perversa tanto quanto egoísta, igual a todas as elites por esse mundo.  O fato de existir dois jornais é um problema econômico, mas não de ética.  Penso que a A Razão não teve seu passamento refletido no seu caráter emocional, mas pragmático: dava prejuízo e, mesmo sua história ligada à da cidade, não tem qualquer importância diante da questão do dinheiro.   Por outro lado, a política editorial d"A Razão já era tão precária, provinciana, que sua transferência para outro jornal preencheu as necessidades de um uma cidade acostumada a não ser exigente com a qualidade jornalística.  Para o DSM, a herança é cara: transplantou-se para sua redação parte da política editorial do adversário...uma política descuidada e comercial.  O DSM está com cara de A Razão....em sua pior faceta. Com sentir a falta?




terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O espetáculo da intervenção militar



Não é preciso ter muita imaginação para saber que essa intervenção militar vai mexer com tudo, menos com as razões declaradas que a motivaram.  Blindados e soldados nas ruas do Rio de Janeiro, para os desavisados, pode parecer uma boa solução para quem está acuado pela violência, mas apenas será um paliativo.  E será  nesse ponto que a violência do crime organizado sobreviverá ao espetáculo político que se desenha.  Em nenhuma hipótese, o uso de armas consegue se impor caso não se resolvam, ou se cumpram planos, de estabilização social a médio e longo prazo.  Primeiro que a intervenção em foco carece de planejamento e é impulsiva...na verdade, se deseja submeter o crime sob a sola das botas, mas se voltam à repressão aos seus representantes nas favelas, nas comunidades, onde se encontram a raia miúda da criminalidade.  ou alguém acredita que as altas somas de dinheiro e recursos, conversões de moedas e transações financeiras são realizadas por elementos de bermudas, AR-15 cruzados no peito, em alguma laje do morro.  O crime organizado, a negociação por armas, munição e drogas é feita em gabinetes, bem longe da frente de combate...em escritórios de advogados, em corretoras ou em gabinetes de parlamentares.  Não é preciso ser espião para se saber que quem ganha com o tráfico não são aqueles presos em unidades de segurança máxima.  É necessário uma rede administrativa e financeira para cuidar de toda a logística...algo que nem de longe os pitbulls militares rasparão... A intenção primeira dos pensadores dessa mais uma desastrosa e cara operação é trazer a violência a níveis toleráveis, uma vez que raspa os ganhos de outras indústrias e fontes de renda, como o turismo...e tornam caro demais a existência de outras áreas econômicas... O descaso do Estado com as favelas abriu o espaço para o crime.  Quem não se lembra da figura dos bicheiros, que dominavam a contravenção e carregavam consigo o controle da venda das bebidas, da prostituição....tudo voltado à área da diversão e turismo.  Essa parecia ser o mina de ouro do Rio de Janeiro, até que a droga se inseriu no panorama... Os militares e a justiça da ditadura militar fizeram o favor de juntar prisioneiros comuns com políticos, que trocaram informações e aprendizado...as favelas - abandonadas pelo poder político oficial - foi apadrinhado pelo novo tipo de criminoso...aquele que substitui as benesses do bicheiro com a sua comunidade.  A droga se fez presente empregando gerações de desamparados, oferecendo políticas de saúde, de segurança....utilizando-se e até melhorando as precariedades do governo.


Quem os militares enfrentarão e matarão (e até morrerão) é a raia pequena, aquela que se arrisca nos morros, que não tinham eira nem beira, e que agora enfrentarão aquilo que sempre se prepararam: o de defender SEU território da invasão dos inimigos, que se não é a gangue adversária, é o próprio Estado.  Há tempos, o crack - além das zumbis que deixou nas ruas - foi um problema para os traficantes...houve por bem endurecer as relações com as comunidades...para evitar que os lucros se perdessem no consumo próprio. Se antes as favelas recebiam as melhoras e recursos dos traficantes para serem eternamente o que sempre foram, um emaranhado de ruelas sem as mínimas condições e qualidade de vida....uma favela, por definição, é um lugar inapropriado para se viver, não importa que se modifique sua denominação para "comunidade"... A miséria afasta os políticos, a repressão ao crime e permite a existência do crime.  Quem consome a droga não é quem mora na favela, são aqueles que estão fora dela...e a própria sociedade se torna cúmplice da situação atual (que não é só no RJ, diga-se de passagem)... A polícia, em especial a militar foi a alternativa para limitar a violência e garantir aos "de fora" que o Estado tinha algum poder...as imagens dos policiais convivendo com os soldados do tráfico não é mera especulação...era justamente na área do controle policial que acontece as negociações com o crime. Os traficantes no morro nada mais são que ponta de lança armada, que controlam o ilícito ao mesmo tempo que administram o mercado e a diplomacia.  Disseram uma vez que foi o presidente Collor de Mello que deu o mais poderoso golpe contra o tráfico, se querer, é fato....ao tomar as poupanças dos cidadãos, tomou também o do tráfico... Seria justamente nesse campo que deveria haver o combate..fazer o cerco aos representantes "limpos" que administram as finanças do crime, eliminando os tentáculos no parlamento...não nos morros..   No mínimo, toda a burocracia em torno da intervenção já colocou os traficantes nos morros em compasso de alerta, desviando pessoal e recursos para outras áreas.... O sistema virtual dos bancos impedem que as blitzers nas saídas do Rio tenham resultado... Os recursos já estão em outras paradas...e os elementos mais visados e necessários para a organização criminosa, fora daqueles espaços geográficos.  Resta-nos o espetáculo da violência e a sensação de que tudo voltará a ser a mesma coisa, ou pior, já que a repressão policial pode de uma hora para outra, pela linha frágil entre o certo e incerto, atingir as lideranças das comunidades.  o risco é muito alto e não há como não prever que o fracasso está à espera.