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quarta-feira, 18 de março de 2020

terça-feira, 17 de março de 2020

Há mais um vírus no caminho...

"Há momentos em que, mesmo aos olhos serenos da razão, o mundo de nossa triste humanidade pode assumir o aspecto de um inferno, (...)"
Edgar Alan Poe


Um amigo me repassou a história, testemunhada por ele, no metrô paulistano: em plena hora do rush uma garota espirrou no vagão, entre estações...um vazio abriu ao seu redor e as pessoas bronquearam enquanto a menina gritava: "é rinite, gente, é rinite".  Em tempos de corona vírus, a situação é até normal.  Há o medo natural do contágio.  A rotina foi interrompida, sem dúvida, e não sabemos a que grau ainda será modificado nosso cotidiano.  Mas não é uma situação nova, inédita . Aos quase 60 anos, já passei por outras situações parecidas e sempre surpreendentes...a de doenças causadas pelo vitorioso aedes aegypt, peste suina, febre amarela etc.  Todas elas, com exceção do H1N1, eu passei à margem...nem da dengue, que ainda nos tocaia. Aliás, se nos desesperamos agora é justamente porque temos certeza de que não estamos preparados para enfrentar qualquer epidemia...não há qualquer tranquilidade de que poderemos enfrentar, já que até as doenças que já enfrentamos (veja abaixo as que me lembro de minha existência), ainda continuam fazendo vítimas e adquiriram o status de algo existente, próximo e que que só D'us pode nos salvar.

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A ditadura escondeu a epidemia de meningite

No entanto, a lembrança mais antiga que tenho é da epidemia de meningite, na década de 70, quando a doença grassou por São Paulo, com uma letalidade de 12 a 15%, um absurdo nível que a "bondosa" ditadura militar primou em menosprezar, ignorar e - caso acontecesse agora, certamente o Bozo a trataria como fake news ou golpe da imprensa - tardar a dar atendimento.  Somente a mudança de plantão no Planalto, com a saída do general Médici e a entrada do militar de mesma patente, Geisel, é que se tomou alguma providência...isso, depois que a meningite passou por sua fase aguda e passou a refrear as mortes, que nunca chegaram a ser estimadas, já que a censura  prevalecia e esse tipo de informação tinha severo controle.  Para se ver, o pânico e a falta de um sistema médico de prevenção e atendimento na saúde fez com que se recorressem a meios profiláticos que beiram ao charlatanismo: pedaços de cânfora colocados em saquinhos de pano e pendurados como colares nos pescoços das pessoas. A orientação era a de se respirar tendo a cânfora junto às narinas..na falta de outra coisa e contando com a sorte...
Outras duas lembranças subsequentes se relacionam com vírus mas não com seres humanos, mas me marcou a mente...uma delas é a do cancro cítrico, também na malfadada década de 70, quando hectares e hectares de plantações de cítricos foram derrubadas e queimadas para evitar a passagem do vírus...ou também da peste suína africana (PSA), inserida no nossos porcos através da vacinação contra a peste suína clássica (PSC)...os animais chegaram a ser mortos aos milhares a marretadas, ou fuzilados por soldados do exército.  Até hoje, na internet, há autores que defendem que a infecção de nosso rebanho suíno foi ato de sabotagem...

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Cólera

Cólera, causado pelo Vibrio cholerae..desde a década de 90 até hoje a coisa está pegando, mas parece que as autoridades se acostumaram com a coisa, atuando pontualmente e não mais buscando erradicá-la... pegando pesando em alguns países vizinhos e nos estados do norte brasileiro, onde a situação sanitária nunca chegou a um grau de eficiência e perfeição.  Por ser de regiões tradicionalmente não atendidas por saneamento básico, atendimento médico e por vítimas pobres, nunca chamou muito a atenção dos políticos...logo, ficou quase como doença crônica, natural entre nós.  Nem assusta mais.
O caso do sarampo, aparentemente, depois de ser uma presença constante e provocadora de milhares de mortes há décadas, havia sido contida pela vacinação em massa...no entanto, a crise venezuelana e a massa de refugiados no Brasil nos trouxe novamente, nesses últimos anos o fantasma do vírus Measles morbillivirus, altamente contagioso...também causou furor, principalmente entre os direitistas que se divertiam em criticar o governo de Maduro, alimentando a ideia de uma intervenção militar naquele país vizinho. O sarampo não se transformou em algo pior porque o Brasil já tinha na agenda da saúde a cobertura vacinal preventiva e eficiente.

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Ah, o aedes...

E como esquecer das doenças transmitidas pelo maldito aedes aegypti, como a dengue, zica e chinkungunya? Um insetinho importado da África que desafia governos e governos...e anualmente causa vítimas entre os homens, com previsão de aumento em quase 350% de contaminados com a dengue em 2019 em relação ao ano passado, ou seja, 450 mil doentes portadores do arbovírus até abril de 2019. 
O paranóico dessa história é a acomodação das autoridades em remediar a situação, tentando impedir que chegue a índices alarmantes... Para o aedes aegypti sobreviver basta sobreviver às nuvens de veneno lançada sobre as populações nos bairros periféricos principalmente, que os contém (além de matar todos os insetos que topam com a nuvem envenenada, como as abelhas) para voltar no próximo verão.  Apenas em duas situações históricas foi vencido em batalhas: no início do século XX, que exigiu uma mudança urbana significativa no Rio de Janeiro, quando houve uma remodelação arquitetônica de toda a cidade e em várias capitais na década de 50...quando houve adaptações estruturais que detiveram o desgraçado.  Depois veio a acomodação e a implantação da indústria da doença... O mosquito não resiste a medidas preventivas. 
A febre amarela ocupa um capítulo à parte, por ter sido sempre tratada de forma oscilante, vezes com seriedade, vezes com desdém...a ponto até de ter a sua vacina "fragmentada", ou dividida para enfrentar a recente pandemia (isso sequer é aceito internacionalmente).
Acredito que tenha sido vitimado por alguma mutação do vírus H1N1, a influenza, quando em 2009 ou 2010 houve um aumento dos casos...não houve complicações e me livrei sem hospitalizações....


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H1n1

Bom, o caso é que a atual situação com esse Corona Vírus não será diferente.  Existe o pânico, a histeria e a consequente acomodação das autoridades... Não podemos esperar (esqueçam!) que o atual governo, com o presidente que temos, possa dar conta de uma situação que deveria ser mais preventiva que curativa.  A china e a Itália, seguida de outros países partiram para a criação de cordões sanitários, enquanto no nossa Brasil, os bisonhos governantes neoliberais acreditam na etapa curativa, ao mesmo tempo que jogam na população a responsabilidade em torno do contágio... Não há como acreditar na seriedade de um governo cujo mandatário diz e se contradiz e menospreza a doença, como se fosse algo distante e golpe da imprensa...  Passaremos por essa epidemia se mantivermos a solidariedade e a compaixão de nos cuidarmos, de evitarmos o pânico e mantivermos nossa atenção voltada ao coletivo..a realidade é que muitos ainda serão infectados, muitos manifestarão a doença e muitos morrerão. A progressão é impressionantemente alta devido a alto contágio.  A priori, não temos na rede pública leitos suficientes para cuidar dos doente (mas, quando tivemos?). Projeções indicam a existência de 4 mil contaminados no Brasil e a projeção de 30 mil casos confirmados na região metropolitana de Sampa até o final de abril. No Brasil, ainda não houve mortes (houve, em 17 de março, morreu a primeira vítima), mas nos países vizinhos sim....


quarta-feira, 4 de março de 2020

Cultura como tarefa da esquerda

"Ela virá, a revolução, e trará ao povo, não só direito ao pão, mas também à poesia."
Leon Trotsky

Lênin: Cultura e revolução cultural. 

Ainda sob o impacto da morte do poeta nicaraguense Ernesto Cardenal - um luto íntimo, tranquilo e até poético - fiquei imaginando o quanto a leitura, poesia e literatura é uma obrigatoriedade na vida de qualquer pessoa que se reivindica da esquerda... Me dizem, quantos da esquerda não foram analfabetos?  Sim, mas me parece que sempre lutavam não só pela transformação do mundo e pela justiça, mas também pela própria construção pessoal...e isso passava necessariamente pelo acuramento da sensibilidade diante da arte, do belo e da verdade. Além disso, a cultura que falamos é aquele conhecimento que ultrapassa a necessidade do dia-a-dia e nos transporta para fora da zona de conforto e nos faz pensar em tornar nosso mundo melhor. E que tipo de homem não quer melhorar seu mundo? Um trabalhador em alguma barranca do rio amazonas possui informações sobre a vida na floresta o suficiente para mantê-lo vivo na lida diária com a natureza, sua interação coletiva, social, ao participar de danças - carimbó, por exemplo, amplia e potencializa seu conhecimento.  Não mais se trata da própria vida, mas da vida comum, das condições que a Amazônia oferece para sua existência no coletivo, na comunidade.  A arte nos joga à buscar o mundo que nos cerca, a cada manifestação.  Se somos analfabetos, não significa que não temos acesso à cultura ou à arte, mas que mantemos mergulhados dentro do limite que o próprio cidadão se impõe.  Se ele não rompe com os limites que o cercam pela banalidade cotidiana, ele absorve o discurso cultural, a arte e o conhecimento de outrem, que chega a ele no papel de verdade absoluta
Há os que rejeitam o conhecimento....os da esquerda tem como obrigação adquiri-la ou prezar a busca pelo mesmo.  Se falamos da esquerda, falamos de um mundo novo, sem explorados ou exploradores...onde não há lucro como meta, mas a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, mesmo daqueles que sequer sabem o que são direitos fundamentais como educação, saúde, alimentação. Para consegui-los, o conhecimento se engendra na arte, na busca de melhorar a cada geração humana seu acesso às manifestações humanas.  Um homem famélico, desempregado, abandonado, enfermo, excluído não tem a cultura como prioridade.  Parca e curta a vida de um homem que apenas pode se dedicar ao trabalho ou à busca do dinheiro mínimo para sua sobrevivência e de sua família..ou pior, quando confunde qualidade de vida com os bens de consumo. É a morte em vida enquanto respira ou caminha, se submete ao conhecimento daqueles que o exploram e valorizam o poder monetário como referência.  O homem somente é livre se tem acesso ao conhecimento, à arte e à cultura.  A arte sempre é o alicerce para a evolução humana, um degrau para não chegarmos à barbárie.

Ernesto ‘Che’ Guevara lendo no Congo em 1965.
Che: O último Leitor, de Ricardo Piglia

Sem dúvida, a esquerda tem a obrigação de primar pelo homem, é o seu objetivo, meta....por isso, o que a esquerda oferece sempre requer esforço, trabalho.  As letras não são apenas traços em uma folha de papel, os modelos de transformação se fazem pelo contato com a diversidade...ser um em muitos, ser tudo par ser pleno.
A arte da sobrevivência é confusa e até perigosa, confundimos a comodidade do que conseguimos com aquilo que precisamos...o capitalismo nos diz isso, nos impele a pensar naquilo que a classe dominante pensa, seus gostos musicais, vontades políticas etc.  O papel da esquerda é fundamentalmente, atuar para que o conhecimento se faça pelo acesso à arte, a sua diversidade, quebrando os limites do indivíduo e o trazendo à diversidade.  A direita, em si, por nos manter na ignorância através do controle da arte permitida, da cultura manipulada, impede essa diversidade e seu acesso àquilo que a ameaça.  A poesia, a pintura, a escultura são medidas pelo seu valor monetário, não por aquilo que pode acrescentar espiritualmente ao homem.  É isso que denuncia, por exemplo, o papel da igreja e das religiões institucionalizadas...é desse setor que aparecem as principais farpas contra a arte livre.  Arte - que entendo como as manifestações culturais - não é algo que necessariamente é bonito, harmonioso ou equilibrado...o papel é justamente de confrontar ideias, podendo encontrar reverberações positivas ou não entre os indivíduos.  A regra geral não é a aceitação, mas principalmente a experimentação...o efeito que essa ou aquela manifestação causa nas pessoas é que definirão sua permanência ou não no cotidiano.
Um outro ponto é que o marxismo discute a cultura como peça fundamental no entendimento da necessidade da luta de classes, logo, um instrumento para aplicação das teses revolucionárias para a transformação social.  Vejam bem, a arte em si não é revolucionária, mas um instrumento independente da direita e esquerda, mas somente a esquerda a enxerga como um caminho para a evolução humana... A direita a quer controlada e dirigida para a manutenção do sistema econômico vigente, dentro da zona de comodidade da busca pelo lucro.

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Trotsty: Revolução Permanente, Questão de Modo de Vida, Cultura e Socialismo

A esquerda, e falo sob o ponto de vista marxista, avalia a cultura como algo que surgiu da ação do homem em relação à sua convivência com o meio, em especial, a natureza, expressando-se nas relações comuns e nas ações que justificam sua vida...serve como um fator agregador de experiências de vida, de modelos e exemplos.  Não gosto de citar autores em um texto pessoal, não acadêmico, mas por concordar com ele e achar que me ajudará, menciono com minhas palavras a definição de Leon Trotsky, se não me engano no livro "Questões do modo de Vida", escrito no calor dos momentos pós revolução de 17.  Diz ele que a cultura seria aquilo que separou o homem dos animais, dando espaço para uma nova ideia de vida, em torno da acumulação de bens culturais e conhecimento agregado para enfrentar a própria natureza e superar sua fragilidade diante das intempéries.
De qualquer forma,  o próprio Trotsky defendia a cultura como instrumento para a conscientização política da população, dos chamados "sem-partidos", daquele segmento majoritário das sociedades que não adotam uma bandeira única, mas aquela que lhe parece conveniente politicamente, mas que - definitivamente - carregam em si a capacidade revolucionária de transformação política.  Pregou ainda que, após anos de domínio do czarismo sobre o proletariado, o nível cultural desses era muito baixo e, por mais que tenham explodido revolucionariamente, expurgado o poder dos senhores, carregavam em si a ignorância de uma cultura que indicasse o caminho da transformação, sobre o que fazer, o que transformar e para onde ir...  Uma cultura que os fizesse pensar em si como protagonista da mudança.  Enfim, para a esquerda, a chamada dialética tem de ser associada à cultura, à contraposição de ideias e a confrontação da arte, estética e gostos. Utilizar a dialética significa à esquerda a adesão sistemática ao mergulho no cotidiano cultural do meio onde atua.... é uma tarefa individual, pessoal, intransferível...necessária para a mudança do mundo e da vida.


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Trotsky: Questões do modo de vida, Literatura e Revolução, Cultura e Socialismo; Revoluçã

PS: vejam bem, a direita enxerga a cultura como uma mercadoria e, como tal, deve ter um valor monetário e atender a uma demanda do mercado. Dessa forma, um filme, peça de teatro e/ou um quadro não carregam em si seu valor artístico, mas aquele que o mercado estipula como "justo" a ser pago pelos consumidores.  Assim sendo, não é - para a direita - os motivos prioritários da cultura não são a formação de uma massa crítica, mas de consumidores...aqueles que podem acessar financeiramente o "produto" que, por sua vez, por toda a logística da criação até a exposição ao mercado, legitima o viés capitalista (logo, substitui a necessidade por cultura por opção comercial pela cultura) expresso na produção e viabilidade econômica.  Assim sendo, em um quadro de agressivo avanço da crise capitalista (no nosso quadro, fascista) , o mercado separa aquilo que é viável economicamente e exclui aquilo que resulta em prejuízo...dado que, no capitalismo, a ausência de políticas sociais inclui o menosprezo à cultura (encarada como "prejuízo" financeiro), o direito da população à educação através da arte é entregue para a exploração da iniciativa privada, aquela que prioriza, que vive do lucro.... 

segunda-feira, 2 de março de 2020

O quanto é perigoso o Covid-19?


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Na prática, não sei se me preocupo ou não com o Coronavírus.  A propaganda oficial está muito confusa, estranha até.  Até onde eu sei, vírus é o mais agressivo ser que habita nosso planeta, ganhando até do ser humano na destruição do meio de onde tira seu sustento e vida.  E até agora, apesar da possibilidade de se decodificar o genoma, ainda o combate ou a possibilidade de se conseguir uma vacina é uma dificuldade impressionante, justamente porque esse bichinho se modifica geneticamente, de acordo com as dificuldades e as resistências que encontra... E esse bandidinho invisível aos olhos tem um poder de contágio impressionante: estatisticamente, segundo uma análise de cenário feita supostamente (estou apurando a origem) por técnicos da Fundação José Luiz Egídio Setúbal, o novo corona vírus tem a capacidade de deduplicar (multiplicar o total de casos por 10), um enorme poder de multiplicação, que faz com que os atuais 50 csos brasileiros se transformem em mais de 4 mil em 15 dias e 30 mil em 21 dias!!!! Assim sendo, lendo as notícias eu acho que a epidemia do corona é séria o suficiente para justificar a ação do governo chinês em tomar providências duras, rígidas e severas para impedir a disseminação.  Cidades, bairros, ruas, prédios foram cercados e o trânsito de pessoas proibido.  Ou seja, o maior parceiro comercial do Brasil engatou a primeira e acelerou com tudo subindo a ladeira para impedir a propagação.  Foi fundo no controle.  Outros países da região asiática são vítimas, não tomaram as mesmas medidas e estão gramando com o aumento dos contaminados, os mortos se amontoam.  Podem ter outras mais forte, como me dizem os noticiários, mas o Corona está matando... A Itália tornou-se o epicentro do vírus na Europa, os Estados Unidos já registra suas mortes...

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Mesmo assim, vejo o ministro da Saúde  dizer que não há necessidade de pânico, que outras gripes também matam etc etc.  Em consonância com esse desequilíbrio de opiniões, me parece que estamos ralados se dependermos dos cuidados do governo Bozo com a saúde pública.  Vejam bem, a enfase é a detecção do Corona com a vacina de outras cepas de vírus, de outras ...ahn...espécies de gripes, aquelas que nos atingiram nos anos anteriores e agora viraram vacinas.  A intenção é, caso ocorra a vacinação de contra outros tipos de gripe, caso apareçam indivíduos vacinados com sintomas, facilitará o diagnóstico do Corona.  Pode parecer lógico, mas as vacinas para gripes comuns que começam a surgir no Brasil, em 2020, são cepas novas, ainda não utilizadas para a produção de vacinas.  As vacinas de agora referem-se ao período anterior ou às cepas do inverno europeu...  Assim sendo, temos cepas novas para nosso pobre organismo... O Corona vírus é mera cereja para o bolo da indústria farmacêutica.  Além disso, incrível como a existência de casos suspeitos apenas surgiram na quarta-feira de cinzas... Antes disso, havia casos no mundo inteiro mas não no carnaval brasileiro.  Incrível como a fé na alegria para deter a contaminação que certamente aconteceu durante a folia.  E nada, absolutamente nada, foi feito para impedir a contaminação.  Milhares de turistas baixaram no Brasil, vieram de lugares onde o Corona reinou ou ainda reina...e não houve qualquer medida para impedir isso.  Sequer mediram as temperaturas daqueles que desciam dos aviões ou navios de turismo.  Nada.
Preservaram os lucros mas os mortos que, porventura, acontecerem, será por conta dessa omissão.
Certamente, não é apenas o caso do Corona Vírus.  A saúde pública capenga...o SUS está cada dia mais precarizado.  A saúde pública está tão precarizada que os os Planos de Saúde não conseguem sequer atender a população que paga por atendimento.
Teremos sorte, muita sorte, se não ocorrer uma tragédia de maiores dimensões.


Agora sei que não se cala um poeta

Ernesto Cardenal


O poeta, enfim, morreu...depois de me assustar em novembro passado, ele se foi ontem, domingo... Seu coração, enorme a ponto de abrigar uma vida de solidariedade, compaixão e poesia, deixou de bater. É um descanso necessário e justo para um guerreiro da palavra e ação.  que o diga os poderes que enfrentou e enfrentava...da ditadura somozista ao governo incerto de Daniel Ortega. Respeito pouco o papel de religiosos já que representam empresas que exploram a fé, mas ao poeta que nos deixou não consigo ter qualquer receio de desejar que ele esteja hoje ao lado do criador, aquele que ele dedicou sua vida...que colocou o livre arbítrio na direção de tornar esse mundo melhor.  Ele arriscou sua vida inúmeras vezes, milhares de vezes.  Às vezes, imagino que ele confiava tanto, muito na existência de D'us a ponto de se expor aos opressores.  Mesmo que eu não concordasse com algumas coisas que ele falava ou defendia, creio que seu passado e sua figura presente no dia-a-dia de seu povo o tornava um sujeito que não podia ser mais julgado pelos homens.  Alguns amigos sandinistas o criticavam, muito, por deserção e até traição...rompi com eles, amizades antigas se desfizeram. Não me arrependo: o poeta merece isso.  Ele manteve a rima e os versos vivos para embalar a resistência.  Triste do povo que não tem seu poeta...Os Estados Unidos teve Walt Whitman; A União soviética Maiakoviski; o Brasil, Drumond, Vinicius e Andrades...a pequena Nica, o seu Cardenal...
Que repouse em paz, poeta....seu trabalho não te cala nunca, sempre imaginarei a garota com calças, em alguma estrada norte-americana, vista de dentro de um ônibus da Greyhound.  
Ferre-se o Papa João Paulo II (que o ex-comungou) e Daniel Ortega (que o hostilizou e agora decreta luto de 3 dias)...

AO PERDER A TI

Ao perder-te
Tu e eu vamos perder:Eu porque tu eraso que eu mais amavaE tu porque eu erao que mais te amavamas de nós doisTu perdes mais que eu:Porque eu poderei amar a outrosComo amava a ti,Mas a ti não amarãoComo eu te amava


SALMO DO HOMEM QUE VÊ A REALIDADE E NÃO SE CALA

Ouve, Senhor, estes versos que te rezo
Ao contemplar a realidade em que vivo.
Maltido seja o sistema que não deixa sonhar os poetas
Nem permite dizer a verdade a quem pensa.
Serão seus dias de luto e de lamento,
Porque matou no Homem o mais digno.
Maldito o sistema que não pratica a justiça
E persegue e tortura e encarcera a quem anuncia.
Terá que justificar sua conduta ante a história
E não encontrará nenhuma palavra de defesa.
Maldito seja o sistema que só procura a aparência de grandeza
Quando estão morrendo de fome os homens nas suas fronteiras;
Do mesmo modo que progrediu cairá,
Porque construiu seus alicerces
Sobre corpos vivos e sangues inocentes.
Maldito o sistema que tenta matar no homem a dimensão de transcendência
E coloca no seu lugar o “deus dinheiro” , o “deus sexo”, e “deus progresso”,
Destruir-se-á por dentro irremissivelmente,
Porque o coração do homem foi bem feito
E ninguém pode matar em nós
Esta sede de infinito que nos queima.
Feliz será, porém,
O homem que bebe água na fonte da praça junto ao povo,
Não terá motivos para se envergonhar de nada,
Nem terá que baixar seus olhos 
Ante qualquer homem honesto.
Feliz o homem que a força de interiorizar 
Se fez livre por dentro
E não se importa já com a denúncia dos fortes,
Serão seus dias como o trigo da terra.
Cheios de sol e esperança partilhada
E o seguirão os povos da terra.
Feliz o homem que não assiste a reuniões importantes
Nem acredita nos discursos do governo;
Feliz o homem que assim pensa,
Porque terá sempre tranqüila a sua consciência.
Mesmo que sofra a incompreensão e até o desprezo.
estou contaminado de radioatividade



Bem-aventurado o homem que não segue as
          consignas do Partido
não frequenta seus comícios
não se senta à mesa com gangster
nem com os Generais no Conselho de Guerra
Bem-aventurado o homem que não espiona seu
          irmão
nem delata seu colega de colégio
Bem-aventurado o homem que não lê
          anúncios comerciais
nem escuta suas estações de rádio
nem acredita em seus slogans.







ORAÇÃO POR MARILYN MONROE

         Trad. de Antonio Miranda


Senhor
recebe a esta moça conhecida em toda parte pelo nome de Marilyn Monroe
mesmo que esse não fosse seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces seu verdadeiro nome, o da pequena órfã violada aos 9 anos
e da empregadinha de loja que aos 16 anos já queria se matar)
e que agora se apresenta diante de Ti sem maquiagem
sem um Agente de Imprensa
sem fotógrafos e sem dar autógrafos
solitária como um astronauta diante da noite espacial.

Ela sonhou quando menina que estava nua numa Igreja (pela versão do Time )
ante uma multidão prostrada, com as cabeças no chão
e tinha de caminhar pé ante pé para não pisar nas cabeças.
Tu conheces nossos sonhos melhor que os psiquiatras –Igreja, casa, cova são a segurança do seio materno
mas também algo mais que isso...
As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão debaixo do facho de luz).
Mas o templo não são os estúdios da 20th Century Fox.
O templo – de mármore e ouro – é o templo de seu corpoem que está o Filho do Homem com látego na mão
expulsando os mercadores da 20th Century Fox
que fizeram de Tua casa de oração um covil de ladrões.

Senhor
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade
Tu não culparás tão-somente a empregadinha da loja.
Que como toda empregada de loja sonhou ser estrela de cinema.
E seu sonho tornou-se realidade (mas com a realidade do technicolor).
Ela não fez senão atuar conforme o script que lhe demos
- O de nossas próprias vidas – E era um script absurdo.
Perdoa Senhor e perdoa-nos a todos pela nossa 20th Century Fox
por esta Colossal Superprodução em que todos nós trabalhamos.

Ela tinha fome de amor e lhe demos tranqüilizantes,
para a tristeza de não ser santos, recomendamos-lhe a Psicanálise.
Lembra-te Senhor de seu crescente pavor à câmera
e o ódio à maquiagem – insistindo em maquiar-se em cada cena –e como foi se tornando maior o horror
e maior a impontualidade nos estúdios.

Como toda empregada de loja
sonhou tornar-se estrela de cinema.
E sua vida foi irreal como um sonho que um psiquiatra interpreta e arquiva.

Seus romances foram um beijo com os olhos fechados
que quando se abrem
descobre-se que foi sob os refletores
e apagam os refletores!
e desmontam as paredes do aposento (era um set cinematográfico)
enquanto o Diretor se afasta com sua caderneta porque a cena já foi filmada.
Ou uma viagem de iate, um beijo em Cingapura, um baile e no Rio
uma recepção na mansão do Duque e da Duquesa de Windsor
vistos na TV de um apartamento miserável.

O filme terminou sem o beijo final.
Foi achada morta em sua cama com a mão no telefone.
E os detetives não souberam a quem ela ia chamar.

Foi como alguém que discou o número da única voz amiga
e ouviu apenas a voz de uma gravação que diz: WRONG NUMBER.
Ou como alguém que ferido pelos gangsters
estende a mão a um telefone desligado.

Senhor
quem quer que tenha sido quem ela queria chamar
e não chamou (e talvez fosse ninguém
ou era Alguém cujo número não está na Lista de Los Angeles)
atende Tu ao telefone!


POR QUE ME ABANDONASTE?
Salmo 21

Meu Deus meu Deus por que me abandonaste?
Sou uma caricatura de homem
          o desprezo do povo
Riem de mim em todos os jornais

Rodeiam-me os tanques blindados
estou sendo apontado pelas metralhadoras
e encerrado em cercas de arame farpado
as cercas eletrificadas
Todo dia me fazem chamada
Tatuaram-me um número
Fotografaram-me dentro da cerca
e é possível contar meus ossos
          como numa radiografia
Levaram-me todos os documentos de identidade
Conduziram-me nu ante a câmara de gás
e se compartiram minhas roupas e meus sapatos
Grito pedindo morfina e ninguém me ouve
grito sob a camisa de força
grito a noite inteira no asilo de doidos
na sala dos doentes incuráveis
no corredor dos enfermos contagiosos
no asilo de velhos
agonizo banhado de suor na clínica do psiquiatra
afogo-me na câmara de oxigênio
choro na delegacia
no pátio da prisão
          no quarto de torturas
                   no orfanato 
e ninguém se aproxima para não se contagiar

Mas eu poderei falar de Ti aos meus irmãos
Eu Te elevarei na reunião de nosso povo
Ecoarão os meus hinos no meio de um grande povo
Os pobres terão um banquete
O nosso povo celebrará uma grande festa
O povo novo que vai nascer



SALMO I


VI HÁ MUITOS ANOS

Eu vi há muitos anos, de um ônibus, na Virgínia ou Alabama
uma menina rosada com calça azul
em cima de uma escada, colhia maçãs
(a mãe a chamava para dentro)
e outra menina, irmã, calça azul, 
pintava de branco a varanda da casa
E olhavam para o ônibus que passava e acelerava
O tempo passou como o ônibus da Greyhound
Mas ficou, apesar dos anos, a pintura fresca da varanda
O pincel pingando
A mão na maçã
Faz anos, uma manhã, Virgínia ou Alabama, 
Não me lembro o estado.

(tradução minha)