: subs. masculino, livro antigo, calhamaço, cartapácio, livro
terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
O espetáculo da intervenção militar
Não é preciso ter muita imaginação para saber que essa intervenção militar vai mexer com tudo, menos com as razões declaradas que a motivaram. Blindados e soldados nas ruas do Rio de Janeiro, para os desavisados, pode parecer uma boa solução para quem está acuado pela violência, mas apenas será um paliativo. E será nesse ponto que a violência do crime organizado sobreviverá ao espetáculo político que se desenha. Em nenhuma hipótese, o uso de armas consegue se impor caso não se resolvam, ou se cumpram planos, de estabilização social a médio e longo prazo. Primeiro que a intervenção em foco carece de planejamento e é impulsiva...na verdade, se deseja submeter o crime sob a sola das botas, mas se voltam à repressão aos seus representantes nas favelas, nas comunidades, onde se encontram a raia miúda da criminalidade. ou alguém acredita que as altas somas de dinheiro e recursos, conversões de moedas e transações financeiras são realizadas por elementos de bermudas, AR-15 cruzados no peito, em alguma laje do morro. O crime organizado, a negociação por armas, munição e drogas é feita em gabinetes, bem longe da frente de combate...em escritórios de advogados, em corretoras ou em gabinetes de parlamentares. Não é preciso ser espião para se saber que quem ganha com o tráfico não são aqueles presos em unidades de segurança máxima. É necessário uma rede administrativa e financeira para cuidar de toda a logística...algo que nem de longe os pitbulls militares rasparão... A intenção primeira dos pensadores dessa mais uma desastrosa e cara operação é trazer a violência a níveis toleráveis, uma vez que raspa os ganhos de outras indústrias e fontes de renda, como o turismo...e tornam caro demais a existência de outras áreas econômicas... O descaso do Estado com as favelas abriu o espaço para o crime. Quem não se lembra da figura dos bicheiros, que dominavam a contravenção e carregavam consigo o controle da venda das bebidas, da prostituição....tudo voltado à área da diversão e turismo. Essa parecia ser o mina de ouro do Rio de Janeiro, até que a droga se inseriu no panorama... Os militares e a justiça da ditadura militar fizeram o favor de juntar prisioneiros comuns com políticos, que trocaram informações e aprendizado...as favelas - abandonadas pelo poder político oficial - foi apadrinhado pelo novo tipo de criminoso...aquele que substitui as benesses do bicheiro com a sua comunidade. A droga se fez presente empregando gerações de desamparados, oferecendo políticas de saúde, de segurança....utilizando-se e até melhorando as precariedades do governo.
Quem os militares enfrentarão e matarão (e até morrerão) é a raia pequena, aquela que se arrisca nos morros, que não tinham eira nem beira, e que agora enfrentarão aquilo que sempre se prepararam: o de defender SEU território da invasão dos inimigos, que se não é a gangue adversária, é o próprio Estado. Há tempos, o crack - além das zumbis que deixou nas ruas - foi um problema para os traficantes...houve por bem endurecer as relações com as comunidades...para evitar que os lucros se perdessem no consumo próprio. Se antes as favelas recebiam as melhoras e recursos dos traficantes para serem eternamente o que sempre foram, um emaranhado de ruelas sem as mínimas condições e qualidade de vida....uma favela, por definição, é um lugar inapropriado para se viver, não importa que se modifique sua denominação para "comunidade"... A miséria afasta os políticos, a repressão ao crime e permite a existência do crime. Quem consome a droga não é quem mora na favela, são aqueles que estão fora dela...e a própria sociedade se torna cúmplice da situação atual (que não é só no RJ, diga-se de passagem)... A polícia, em especial a militar foi a alternativa para limitar a violência e garantir aos "de fora" que o Estado tinha algum poder...as imagens dos policiais convivendo com os soldados do tráfico não é mera especulação...era justamente na área do controle policial que acontece as negociações com o crime. Os traficantes no morro nada mais são que ponta de lança armada, que controlam o ilícito ao mesmo tempo que administram o mercado e a diplomacia. Disseram uma vez que foi o presidente Collor de Mello que deu o mais poderoso golpe contra o tráfico, se querer, é fato....ao tomar as poupanças dos cidadãos, tomou também o do tráfico... Seria justamente nesse campo que deveria haver o combate..fazer o cerco aos representantes "limpos" que administram as finanças do crime, eliminando os tentáculos no parlamento...não nos morros.. No mínimo, toda a burocracia em torno da intervenção já colocou os traficantes nos morros em compasso de alerta, desviando pessoal e recursos para outras áreas.... O sistema virtual dos bancos impedem que as blitzers nas saídas do Rio tenham resultado... Os recursos já estão em outras paradas...e os elementos mais visados e necessários para a organização criminosa, fora daqueles espaços geográficos. Resta-nos o espetáculo da violência e a sensação de que tudo voltará a ser a mesma coisa, ou pior, já que a repressão policial pode de uma hora para outra, pela linha frágil entre o certo e incerto, atingir as lideranças das comunidades. o risco é muito alto e não há como não prever que o fracasso está à espera.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário