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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Requiém para um amigo que se foi



Quiça eu esteja errado e haja algo depois da morte.  Que exista um D'us e não o deuses das religiões, uma entidade que se importe com o mundo que criou, ainda que rapidamente, em seis dias e descansado no domingo.  Queria se convencido, mesmo que nada de paraíso, mar de amor, vida eterna, alma, outra dimensão, mundo dos espírito seja verdade... Não consigo, mas queria acreditar, para ser conformado com a ideia de que entes perdidos possam ser uma estrelinha a brilhar no céu, um cometa, etc... A dor da perda é imensa justamente porque não tenho mais a esperança de conviver com aqueles que me fazem bem, que me davam sua companhia de defeitos e qualidades... Sou imperfeito e os outros também são.
Perdi minha companhia, meu cachorro...o Argos.  Entre muitos outros cães, era o meu amigo. Acho estranho falar da perda de um animal...  Lamento perdê-los, mais ou tanto quanto muitas pessoas...sou responsável pela vida de alguns deles, alguns se foram sem que eu pudesse fazer alguma coisa, simplesmente morreram porque suas vidas são menos longas que as nossas.  E se metem em confusões que os levam a esse outro mundo que me recuso a aceitar existir.
Mas como disse, gostaria de estar errado...de acreditar que posso ter uma chance para pedir desculpas pelas coisas estúpidas que já fiz, para agradecer a convivência, pelo trabalho que dei, por minha negligência com o outro...queria estar errado e crer que terei uma segunda chance de não ficar mal com ninguém.
Meu Argos se foi, eu o matei, o entreguei para a eutanásia.  O fiz para reduzir a dor dos tumores que o consumia, que dificultava seu respiração, o convulsionava, o torturava .. mas na verdade, o fiz por ser seu amigo e querer estar errado, de esperar encontrá-lo do outro lado, em algum lado... de vê-lo sempre a buscar ficar próximo, olhos me seguindo, focinho apontando para meu rosto... quando não patas sobre meu peito... Eu o matei por ser seu amigo e ninguém mais que um amigo pode fazê-lo...livrá-lo desse mundo onde uma doença dessa também é a suposta criação desse D'us que eu quero crer existir.  Não pude fazer nada para mantê-lo nesse mundo...ele me esperou para se ir, ou para que eu me despedisse e decidisse por ele.
Acho que os cães existem para isso, para nos ensinar mais que nos fazer companhia...a dizer: isso não é importante, o importante é que estamos juntos, que estamos bem e nos encontramos sempre que queremos e podemos.  Nos diz que as estrelas e a lua existem para serem cultuadas em uivos pela noite.  Que o seu espaço é o nosso espaço.  Que o Sol é nosso cobertor.  Que a leitura de um livro é bom, mas ser o conteúdo de suas páginas melhor...

Ulisses reencontra Argos depois de 20 anos...
Não levei vinte anos para reencontrar meu Argos...eu o deixei são - ou parecia estar - e voltei voando quando soube que não o teria mais comigo...pensei que minha presença fosse mágica, que o poder da amizade o salvasse... mas se sequer acredito em deuses, como posso me convencer de ter algum poder para salvar meu amigo? Não tenho poder e não posso salvar ninguém, nem a mim mesmo...


...o cão finalmente morre, magro, esquálido e sobre um monte de estrume...
Comigo por perto ou não, era meu guardião...o que me recebia, mesmo cambaleante e alquebrado pela doença, no portão da casa. Talvez quisesse acabar por si, deitado no cimento da área ou no gramado...eu não deixei.... Não sei se a coincidência ou o acaso do nome vale, mas sua morte me aponta uma Ítaca pessoal em declínio, uma fase de minha vida que se vai, que não me cabe mais.  Argos se foi e me diz que não contarei com ele para refletir com ele... Existe pessoas que falam com imagens de santos nas igrejas, ou para cruzes ou para livros sagrados...eu falava com ele e o ouvia...
- D'us, que eu esteja errado e ainda possa encontrá-lo! Quiça...


Com espinhos de ouriço na boca

Rara foto que me permitiu tirar



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