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quinta-feira, 21 de maio de 2020

O dilema da cultura


É difícil se administrar a cultura de um país, justamente porque a cultura é daquelas áreas que se recusa a ser administrada.  Na formas mais primitivas, a cultura era vivida no cotidiano...na contemporaneidade, temos culturas e mais culturas se sobrepondo umas sobre as outras, principalmente de povos, etnias, nações assumindo papel de instrumentos de dominação de uns sobre os outros.  É nesse contexto de geopolítica que o Brasil se atravessa com vento de través, ou seja, apesar de ter uma das culturas mais diversificadas do planeta, temos a dificuldade de conviver com as que são impostas a nós.  No pós IIª Guerra, o modo de vida americano não apenas nos colocou na rotina não só as facilidades dos eletrodomésticos, mas também da adoção de usos e costumes que se confundiam com a modernidade dos vencedores da guerra.  Para os norte-americanos, éramos terras a serem exploradas, apesar de estarmos por aqui...e como missionários trouxeram a cultura de seus enlatados televisivos, de mostras do funcionamento daquela sociedade...

American Way of Life - resumo e características - Toda Matéria
Os dominadores oferecem sonhos culturais para uma parcela pequena dos dominados

Verdade seja feita, o Brasil já repetia como certas as culturas dos descobridores portugueses, dos imperialistas monárquicos ingleses; os republicanos franceses e até os alemães apitaram alguma coisa por aqui, principalmente no sul do Brasil...o século XX nos trouxe os irmãos do norte.  Quando falo que vieram para cá, falo do interesse em que os dominados considerem como certo e atrativo a cultura que  nos oferecem....isso significa no final da linha em dividendos negociais nas balanças comerciais.  Não produzimos, mas compramos o produzido porque, pelo convencimento cultural - dentro de um quadro de divisão do mundo e geopolítica - temos construído em nós a atraente identidade do dominador.  Para sermos iguais, reproduzimos procedimentos, refletimos na vestimenta, nos costumes, canções, cinema, teatro aquilo que consideramos como atraente, cômodo e ideal para nossa sobrevivência.
Fique claro, historicamente, o dominador, ou aquele que consegue impor seus costumes e sua cultura, sobrepondo seu ideal e pensamento a outro povo, não necessariamente, deseja que façamos parte de seu status quo.  Pelo contrário, por mais que tenhamos um imbecil que presta continência à bandeira norte-americana e diga "I love you" aos mandatário gringo, o foco é que nos mantenhamos em segundo plano...somos os dominados, os colonizados, os secundários... nada mais que isso....  

Pau mandado, Bolsonaro apoia deportação de brasileiros dos EUA ...
Um mau soldado, presta continência à bandeira e à cultura de outrem

Sermos mais reis que o rei, essa é a intenção...reproduzirmos uma outra cultura, dita vitoriosa significa buscarmos o sucesso que a matriz já conseguiu, de chegarmos à nossa hora.  Já ouvistes isso? Pois é...esse é o entrave que passamos... Nossa cultura é nossa própria identidade...não basta adotarmos culturalmente a de um país que nos domina política e economicamente, mas sim a de cedermos o que nos muito caro, que é nossa alma.
Uma tarefa difícil, retorno, já que somos o país de mil povos...temos a cultura dos povos originários, dos povos escravizados, dos que nos escravizaram, daqueles que quiseram nos escravizar, daqueles que tem certeza que nos escravizam...daqueles que vieram por conta, daqueles que vieram pela conta dos outros... temos superfície geográfica que abriga diferentes graus de riqueza e miserabilidade, com similaridades ao modo de vida dos franceses, do leste europeu e da Índia.... Temos sotaques e dialetos falados tanto quando o oficial lusitano...

Os Silêncios da Guerra Colonial' é apresentado hoje em Lisboa
Diversas culturas de muitas etnias africanas se juntaram para expulsar, grosso modo, a cultura dominadora portuguesa

Por falar nisso, uma vez ouvi falar que na luta por se livrar do domínio português, as então colônias de Angola e Moçambique usaram a própria língua portuguesa como fator de união e comunicação...e conseguiram sua independência, partindo disso a luta pela reconstrução de sua identidade cultural perdida nos anos anteriores....se conseguiram ou não, é outra história... A cultura, evidentemente, pela mobilidade humana, são laranjas se ajeitando numa caixa sendo carregada.  Não há imobilidade na cultura e, por essa razão, não há cultura atrasada ou primitiva. Há cultura que serve para nos por na zona de conforto da vida.  Se há algo que não é conservador é a cultura. Temos o povo mais católico que mais frequenta templos de religiões afro-brasileiras...
Por essa razão, a cultura é algo que perturba os governos autoritários...ela não se domestica, ela se adapta a novas plataformas, se aprimora, mas persiste.... trocamos o leite pelo pó que o quer substituir, mas que quer ser o leite.  Para as tiranias, a cultura é revolução, subverte os sentidos pela identidade própria e adversa a qualquer poder ... está sempre a contestar o que se pode ou não se pode, mas existe para que não haja dúvidas que o grupo a que ela pertence é representado, que deixa sua marca no palco da vida.

A Indústria Cultural e a comunicação - Amanda Santos - Medium
Querida Mafalda....

Quando falamos em administrar a cultura, estamos a falar de gerir a independências de suas manifestações, onde o Estado todo poderoso não pode nada mais fazer que garantir que aconteçam, preservando os direitos e conquistas do próprio cidadão.  Cultura não é a lembrança do "pum" do palhaço que nos remete ao passado, mas é o pixel ou a energia quântica que nos coloca em harmonia com o desenvolvimento do ser humano, seu equilíbrio e a harmonia de nosso povo em toda nossa diversidade.
A cultura sempre será um problema para o fascista.


7 comentários:

  1. Oh, Yes!! Nós não temos só bananas Tio Sam. Nós temos alma e dignidade. Pode jogar seus espelhos, panelas e facões.

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  2. Ótimo texto. A cultura liberta, o conhecimento liberta. Precisamos ocupar nossos espaços...

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    1. Por isso o bozo não quer que o povo tenha acesso nem a cultura nem a conhecimento...

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  3. Você conseguiu descrever perfeitamente nosso BRASIL!!!

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  4. Pobres pessoas que mesmo depois de adultos ainda acreditam nos valores morais, políticos e ideológicos de um Capitão América. Devem sentir-se deslocados no nosso país. Não percebem que seriam tratados como escória na terra do tio Sam.

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