Um cão no palácio não é nada mais que um cão no palácio
Desde o fim da ditadura militar nesse país, nunca tivemos
tantos militares ocupando cargos ministeriais, muito menos tantos deles nos imediatamente escalões inferiores. A lógica existe. O fascista de plantão na presidência é oriundo, apesar de seu passado de mau soldado, do exército. O governo que temos é, per si, reflexo de um discurso virulento,
de ódio e, acima de tudo, autoritário, que necessita antes de mais nada de uma retaguarda militar, já que a civil é uma ameaça. Não necessariamente de apoio popular, mas do apoio nas casernas. Assim, ao proclamar a cada minuto um suposto e unanime apoio dos quartéis para sua desvairada gestão, o discurso transforma a posse do poder armado como o instrumento principal de poder. Para defender esse governo de feições militaristas, não há como estranhar que existam militares em sua estrutura. Esses cidadãos carregam em si a lenda de ordem, disciplina etc. Na prática, vivem em um mundo à parte, ostentando o papel de força da sociedade, que ação e efetivação dos supostos objetivos da sociedade. Não são cidadãos com uniforme apenas, são profissionais treinados para serem a parede de defesa da Pátria (assim mesmo, com 'P' maiúsculo), recheado por conceitos suspeitos de honra, bandeiras e medalhas. Nesse campo, envergam o uniforme como um segmento dito nobre, com obrigações e destino resumidos na defesa do espaço físico e geopolítico, recompensado por salários que justifiquem o arriscar da própria vida em prol da sociedade...
Justo e paradoxalmente, essa opção pelos milicos no governo é um problema a ser resolvido antes que se efetive seus resultados, não que haja qualquer planejamento nisso, é verdade. Os eleitores do Bozo votaram em um sujeito que sequer imaginava que poderia ser síndico de algum prédio, quanto mais presidente da República do Brasil. O dito projeto de governo é inexistente: por isso, para sobreviver precisa transformar
as instituições de nossa hesitante democracia em um Estado autoritário. Não há qualquer outra opção para esse sujeitinho e sua corja de pijama sobreviver. O mercado financeiro internacional está dando as cartas e o presidente é tão fraco que, imagino ( e torço) que no futuro o vejamos preso, assim como aqueles que o acompanham nessa aventura.
É
dentro desse conceito que os militares estão sendo absorvidos pela
máquina. Geralmente, poderia dizer: são fascistas
também, tal qual o Messias. Mas exatamente como o dito, sequer sabem se o fascismo é de direita ou esquerda; constitucional ou inconstitucional e por assim adiante. Como disse acima, e repito, vivem em um mundo à parte, treinando e - logo - se dedicando à possibilidade (improvável, mas real) de terem de entregar a própria vida na defesa da ....são candidatos a heróis. Só anda faltando oportunidades para isso. A última chance foi a IIª Guerra Mundial, mas .... sete décadas se passaram, com uma oportunidade de 21 anos de poder militar, numa suposta guerra contra o comunismo, o restabelecimento de instituições democráticas, abertura política e estamos de novo com a mesma e questionável demanda. Está certo que já começaram a rarear os apoios...mas a eleição de 2018 trouxe ao poder um arremedo de governo militarista, das continências a bandeiras estrangeiras e, novamente, etc.
Na prática, significa para o militar recrutado, a chance de tirar o pijama e a oportunidade de viver a chance de cumprir, em roupas civis mas com postura militar, as agruras da sociedade civil.... Antes de mais nada, significa darem um sentido para uma vida repleta de redundantes treinamentos e preparações, nunca transformadas em algo real, para nossa sorte. Claro que o país necessita de militares preparados, de profissionais que saibam o que fazer, que sejam cruéis no que treinam por fazer, mas isso descamba para o terrorismo de Estado quando isso não é acompanhado por ética.
Existe por trás das ameaçadoras notas assinadas pelo caricato general Augusto Heleno
e do apoio, regado a bebidas,que recebeu de seus colegas de turma da Academia Militar muito mais que
a sombra de uma suposta guerra civil. Em primeiro, como cachorros, latem, mostram os dentes e ameaçam com a força que aparentam ter e os efeitos que querem ter. São atitudes - sustentadas pelas bravatas bolsonaristas - que seguem a doutrina
militar brasileira, a da dissuasão como prática cotidiana. Ou seja, quer dizer ou mandar dizer dissimuladamente que as
organizações militares brasileiros estão no bolso, à espreita, para saírem a campo. Querem que o inimigo - ou adversário – não se
fie apenas no que vê, mas tema o que não vê.
Faz parte de uma pantomina que se revela perturbadora: um bando de generais de pijamas, que se
reúnem para jantar e bebericar enquanto conspiram. No poder, servindo de maçanetas para o autoritarismo, são a ameaça que acompanha a rotina do Planalto. É a sombra canina que ameaça a oposição.
Os oficiais que emplacaram 64 são das gerações que se
seguiram à participação brasileira na IIª Guerra Mundial, que deu uma forma
mais moderna à estrutura militar existente antes do conflito. A participação foi limitada, um agrupamento
de poucos milhares de soldados, mais ainda de pouquíssimos oficiais, uma chance
de ouro para rechear a própria pasta funcional: ir para a guerra. Dizem que o despeito de oficiais que ficaram em solo pátrio com
aqueles que voltaram da Europa foi tão grande que se criou medalhas para
aqueles que lutaram sem ter ido Itália. Na prática, o exército brasileiro partiu para
terras italianas com o fascismo como ideário que tomava conta e mantinha
simpatizantes dentro do próprio governo de Getúlio Vargas. Foram fascistas, voltaram democratas e
destituíram Getúlio. Os que se
mantiveram no Brasil, tinham o ideário da direita
que guarneceu os quartéis na década de 30.
Esse viés ficou até 64, mascarado pela modernização física, mas não
ideológica, das forças armadas brasileiras.
A Marinha, notoriamente conservadora e reacionária, carregadas de dogmas
elitistas; uma Força Aérea recém-criada (lembro da cassação do Brigadeiro Rui
Moreira Lima, um democrata e herói do Senta a Púa, que nunca foi anistiado por
defender a constituição) e um exército disposto a se tornar satélite dos
interesses das empresas norte-americanas na América Latina.
A redentora de 1964 deu aos militares brasileiros a
oportunidade de serem protagonistas de uma ação que os notabilizariam na
história brasileira. Em outras palavras,
gerações que não se realizaram profissionalmente (não chegaram ao conflito,
conviviam com alguns que tiveram essa oportunidade), formados por uma outra
escola que não a dos militares franceses do início do século XX, viam no
belicismo norte-americano a notoriedade que necessitavam para chegarem à,
digamos, plenitude profissional. Formavam-se em nova estrutura, baseada na de um país que
atua no mundo inteiro como polícia (saiam de uma guerra para entrar em outra,
ou nem saiam de uma para entrar em outra...e por assim adiante); ostentavam
equipamentos dos países vencedores, ouviam consultores militares...mas não
tinham a guerra que serviria para alçar aos céus a realização das vidas
militares no Brasil.
Certamente, um drinque explosivo: juntamos uma formação
política fascista nos quartéis, o equipamento, as técnicas de um país
imperialista (sedento pelo espaço geopolítico), uma doutrina agressiva e um
inimigo que se avizinhou na chamada Guerra Fria: os comunistas. Coloca-se nessa panela o tempero de carreiras
militares “incompletas”, encerradas sem qualquer conflito militar de peso e a
existência de governos criados por remotas alianças à esquerda e temos o
inimigo certo para a situação.
Numa análise dos ocupantes atuais, que compartilham com o capitão de araque o desejo de sabe-se-lá-o-quê, temos agora os
militares herdeiros do final da ditadura militar. Foram criados na mais reacionária das
formações políticas, que considera a sociedade civil comprometida com as ações
militares, que lhes deve reverência e cumplicidade sem limites. A mentalidade e o discurso
social, de respeito à constituição somente surgiu após a promulgação da carta
de 1989, não antes. A ditadura acabou em
1983/84 por podridão...caiu do pé pelo próprio impasse político na sua
sustentação. O governo foi entregue e as
confabulações entre os poderes impediram que houvesse qualquer cobrança às
barbaridades dos 21 anos de autoritarismo militar. O Brasil anistiou vítimas e, de forma
inédita, algozes...legitimando o imaginário militar brasileiro em torno de uma
fantasiosa guerra contra o comunismo. A
omissão, que permitiu que crimes na área de direitos humanos fossem encarados
como parte de uma guerra, formou a geração do fascista que temos como
presidente. Sua trajetória, a partir de
seu interesse na vida militar, se iniciou em plena luta contra a guerrilha no
Vale do Ribeira. Lá, esse sujeito
enxergou não a carreira militar como futuro, mas o caminho para o poder que a
vida na caserna oferecia. Seu ingresso
nas escolas militares, sua formação (nada brilhante, falam, além da compensação
no seu histórico de atleta) e a atenção aos seus próprios interesses são revelados
quando o capitão se torna incomodo para a própria corporação. Lembre-se quando falei da questão da
plenitude profissional. Pois bem, essa
meta foi tolhida, interrompida, pelo final do regime militar...um baque nos
sonhos de realização, atenuados pelo perfil dito “autêntico” e bravateiro de ameaçar seus próprios colegas
e quartéis com bombas. Foi reformado,
quando devia ter sido expulso do exército... A justiça militar colocou um fim
na carreira de um militar que nunca teria as benesses de um oficial atuando na
ditadura militar. Sua plenitude. Sua disposição em colocar bombas, tendo como
motivação pública o próprio salário desenha seu caráter.
Podemos enxergar que ligou-se justamente, em pleno Rio de Janeiro,
aos setores militares e policias excluídos, por serem raia miúda da violência
oficial, da nova estrutura de poder. Foi
a base para a formação das milícias. Se
antes a corrupção corria solta e pública na estrutura repressiva carioca, a
redemocratização das instituições os escanteou.
Não sem razão, vemos a relação dos Bolsonaros, na área de
influência de seus gabinetes parlamentares, elementos provindos e expulsos das
corporações policiais, expulsos das próprias e até elementos sob
investigação...familiares dos próprios empregados na estrutura parlamentar
etc. É nesse agregado de excluídos do
sistema autoritário que Bolsonaro tornou-se o representante parlamentar de
currais de voto alimentados pelo crime, modo eficiente para ser eleito
vereador, deputado estadual e federal, em uma trajetória parlamentar de 30 anos
sem qualquer brilho...que acabou por transformá-lo em oposição histérica ao
petismo, à esquerda. A própria que, na sua doentia fantasia de vida, o afastou
de sua realização pessoal na abertura política e redemocratização. Não resta dúvidas que a insistência
do Messias em insistir nos ritos militares, assim como no seu passado militar
interrompido por ser um mau soldado como uma espécie de concretização de sua
plenitude como profissional. Seu interesse em medalhas, em dar e,
principalmente, se dar medalhas...de reivindicar homenagens à sua pessoa por
ter salvado uma pessoa no passado... o faz uma pessoa não só egocêntrica mas
principalmente incompleta, preocupado consigo, com os chegados, nada mais.
Comecei esse artigo com os militares que cercam o fascista e
vou encerra-lo com eles: o que são esses militares senão aqueles que não
tiveram sua carreira militar coroada com a realização daquilo para o que foram
preparados? Estão de pijamas, não tem
histórias para contar a ninguém que não seja para os oriundos da própria
caserna... Não são nada mais que guerreiros que não puderam se provar no campo
de batalha. É muito mais fácil alimentar a
conspiração em pessoas insatisfeitas e infelizes.