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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Sobre um senhor, futebol e o Palmeiras

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O Palmeiras, ex-Palestra, equipe criada para representar a burguesia ítalo-brasileira



Não me lembro bem quando passei a gostar e torcer pelo Palmeiras.  Faz tempo, gostava do Ademir da Ghia e do Leão, do tempo da academia.  Mas é uma torcida sem compromisso....volta e meia esqueço de torcer para o Palestra, depende do ambiente, passando facilmente a me preocupar com times locais (A Internacional de Limeira, o Velo Clube de Rio Claro, o grande XV de Piracicaba, o Juventus da Móoca (meu moleque travesso) e o Interzinho de Santa Maria). Meu pai era são paulino, não sei porque...minha mãe completamente desinteressada pelo futebol (minha avó, Petita, assistia os jogos do Palmeiras, por causa da cabeleira branca que identificava o Ademir da Ghia, coisa que eu compartilhei dela).  Acho que flertei com o São Paulo e o Corinthians, mas foi amor breve, rápido, de praia, que nunca subiu a serra.  O Palmeiras sim, bateu e ficou...gosto de sua história étnica (e naõ a sua história de classes), da italianada, apesar d'eu ser um vira-lata formado por outras tantas imigrações... Mas nunca liguei muito. Por isso nunca me incomodei em trocar o escudo... tudo ficou diferente, me parece.  Sempre pensei n em equipes de futebol como parte de um processo de convivência social, algo como ir às missas no domingo, ao cinema quando de cinemas de rua etc.. Eram mais que equipes ou resultados, mas espaços de pessoas que defendiam idéias semelhantes...os clubes não eram apenas dedicados ao futebol, mas à confraternização entre iguais...uma atividade comunitária.  Se havia jogo, era apenas para confraternizar com outra comunidade...ou evitar confraternizações..

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Minha pátria?

O "meu" Palmeiras não nasceu como time de povo, mas dentro do contexto da luta de classes, quando, desgraçadamente, a burguesia de ítalos-brasileiros quiseram se isolar dos corintianos, time que nasceu 4 anos antes (1910)... de qualquer modo, ainda valeu a questão da comunidade, de convivência etc... O clube oferecia mais que apenas futebol ou resultados em campos...oferecia ideias e nostalgia, um esprit of corps... imagina uma São Paulo industrial, uma cidade que sempre reuniu mil povos...os valores de cada um eram refletidos em bolsões de identidade social.... Comida, religião e ...futebol...
Creio que a profissionalização do futebol, como conhecemos, corroeu esse ideário social... As comunidades étnicas começaram a se mesclar (minha família vira-lata é isso, até com um chinês no prefácio)... Os grupos que se aliavam ao São Paulo Futebol Clube (os chamados "pó-de-arroz", pois representavam a burguesia do Morumbi, os chamados "quatrocentões") passavam a se relacionar em casamentos, namoros, sociedades etc...nasceram filhos legítimos e outros nem tantos... Seja como for, outras comunidades vieram para o espaço geográfico, algumas nem tão grandes que tinham que se integrar e optaram por uma ou outra existente... E o futebol mudou... de interesse clubista, social ou outro, passou a ser de interesse comercial, de comercialização entre os pares...um jogador que fazia sua carreira toda em uma equipe até deixar o futebol passava a ser fonte de renda...e quanto mais resultado em campo, mas torcedores eram recrutados pela ânsia identitária.  No sul vi isso mais claramente, visível por causa da polarização entre colorados e gremistas: não faz muito tempo a propaganda de ambos lados usavam os dísticos de raça superior para chamar a torcida ao campo, de gladiadores se enfrentando...quando um dos dois enfrentavam times de outros estados, em especial do eixo Rio-São Paulo, o apelo era "nós contra eles"... Sempre com o interesse em alimentar menos o futebol, mas a atração em termos de identidade social...em um período que as próprias comunidades originárias não davam mais contam para sustentar as empresas de futebol, que superaram até a necessidade de convívio social, limitando-se à prática e a política voltada ao futebol.
Fico imaginando o quanto da sociedade capitalista não estimulou isso: o Brasil atravessou e atravessa crises econômica, política e institucional frequentes... o mundo da bola oferece um fôlego para o dia-a-dia da injustiça social, em leituras subliminares.  O confronto em campo é uma caixa de ressonância do cotidiano dos cidadãos, criando um imaginário mais adequado a quem vive na sociedade.  Em primeiro, é criado o tal esprit of corps de maneira a criar um público-alvo ampliado, consumidor e viável economicamente.  As instalações (estádios ou arenas) ostentam a própria divisão social de acordo com o poder aquisitivo (cadeiras, arquibancadas, geral, coréia....)... ou seja, não mais quer representar uma classe, mas sim a consumidores do entretenimento, não apenas do clube...ou de sua origem.  Temos no funil social, o dinheiro como distinção dentro no mesmo clube e cores.  Antes, os donos do clube, ou seus benfeitores da comunidade mandavam, agora quem dá as cartas são gerentes, CEOs etc... Voltados ao resultado do espetáculo e o oferecimento de logística que apresentam no campo aquilo que os cidadãos não oferecem na vida.   O confronto contra o "inimigo" (ou alguém ou algo fora do esprit of corps, o colorado não se dá com o tricolor, por assim adiante) se dá em espaço determinado, em linhas retas que se fecham em retângulos, quadrados e círculos...nada sai daí e tudo se resolve ali... as regras são definidas e aparentemente cumpridas, de acordo com a justiça local...resolvido dentro dos 90 minutos para se saber quem é o melhor ou pior que o outro... até o VAR, verificação da marcação por vídeo, veio para endossar a justiça: é a avaliação externa do juiz e seus auxiliares em campo (e o próprio bandeirinha é uma extensão recursal dos lances polêmicos)... Caso isso não resolva, vem a revanche em algum domingo próximo, em mais algum encontro mais adiante... Ouvindo as rádios ou na TV se vê que a figura do "fanático"é enaltecida e estimulada como algo sadio...quanto mais a pessoa se entrega ao consumo da equipe, mais se torna folclórico, até para ser enterrado tendo a bandeira do time do coração (aliás, aquilo que normalmente o mata) decorando o caixão.  As organizadas flagelaram o futebol ao irem mais longe que o capital queria, que é o lucro e a fidelidade de seus consumidores. Afinal, o fanatismo e a rivalidade são explorados com a finalidade única de obter lucro, não só pela bilheteria, direito por imagens, venda de jogadores, marketing, mas como a criação de um imaginário em torno da identidade social, aquela que iniciou essa conversa.  A violência incontida e de rua, as mortes e os prejuízos com vandalismo são deficitários para o capital que gerencia o futebol... Os próprios campeonatos são voltados ao resultado dos melhores sobre os piores, ou seja, se não é o campeão naquele ano, em algum dos diversos torneios, a vitória é continuar habilitado para o enfrentamento... perde-se o brasileiro, mas o prêmio é a participação na Libertadores no próximo ano ou período.  Sempre o lucro voltado a manter a expectativa de ser melhor ou maior que os demais...a questão original de identidade como grupo se resume no compromisso do torcedor no consumo de produtos de seu clube.  Em troca, há a colocação do consumidor como membro de uma comunidade, ou tribo...isso, ressalto, é uma necessidade humana. Pertencimento a algo, ser parte de algo... é a leitura básica da jornada do herói...a grande teoria de Campbell: eu pertenço a algo, faço algo por ela e me destaco nessa comunidade por algo que faço para defendê-la...acompanho os passos daquilo que me identifica como membro, enfrento as dificuldades por ela e faço desse algo minha razão de viver....todo o resto, que não é favorável porque o indivíduo não pode controlar o geral que o oprime, é assessório para ficar a serviço do simbolismo que o torna parte de algo...


Quando alguns indivíduos emboscam torcidas adversárias, marcando o embate físico e extra-campo, nada mais estão fazendo do que cumprir, em visão distorcida, o que é ser parte de algo, aquilo que o futebol em plagas capitalistas querem deles: a entrega à camiseta (afinal não são os patrões que querem que os seus empregados se entreguem à camisa da empresa, significando deixar de lado a própria dignidade pessoal como trabalhador?)....  Esses grupos acabam por ser braços do fanatismo, daquele que é estimulado pela mídia e clubes...são eles que comemoram a vitória e cobram as derrotas, pedem as cabeças de jogadores e técnicos, além de membros da diretoria dos clubes, como se fossem proprietários do ideário... A rivalidade é, com certeza, lucrativa...e descomprometida com as consequências na sociedade em geral.

Escrevi isso, tudo isso pensando naquele palmeirense, chamado de Edilson, de 67 anos, que foi foi expulso do estádio por alguns desses fanáticos torcedores do alviverde, em um jogo acontecido dias atrás. O senhor fazia algo pacífico como protesto: lia um livro marxista (Ciência e Revolução)...ostentando uma roupa distinta, com inspiração militar e quase carnavalesca .  A encenação não durou o primeiro tempo antes que incomodasse os torcedores consumidores...afinal, é realmente mais afrontoso para qualquer consumidor do Palmeiras a leitura durante o jogo do time, justamente porque é a negação da prioridade de torcer ou sofrer pela razão de vida dos idiotas. O tema do livro é interessante e direto...duvido que os algozes daquele senhor saibam qualquer coisa sobre o livro e alguma coisa séria sobre o autor, mas trata-se de escritos que explicam a razão da filosofia, não daquela que diagnostica o mal ou o errado, mas daquela - que é a sua proposição - que transforma, ou oferece proposta para a mudança - para o melhor - da sociedade humana.  Ou seja, uma facada no coração daqueles superficiais que acreditam no esprit of corps oferecido pelos times de futebol.  Marx, sem querer (talvez), mexe com algo inimaginável (apesar de falar do pão e circo e ópio para o povo) em seu tempo, que é o agregamento humano em torno da exploração comercial do futebol...e incomoda os idiotas sem fazer qualquer esforço...

A leitura como protesto pelo mau futebol

Falando em idiotas, já capengava meu apoio ao Palmeiras há anos por desinteresse ao futebol e/ou time...depois que o Brasil elegeu um imbecil como presidente da República (na verdade, mais que isso, elegeu um fascista, escória da humanidade) e esse foi ao estádio para confraternizar com os campeões paulistas de 2019, me afundei no exílio da vivência com o futebol, apenas o encarando para me distrair com a loteria esportiva... A ação do fascista ao ir ao campo e levar seu discurso de ódio aos estádios , em especial ao meu ex-time, explica a ação dos fanáticos, daqueles idiotas e ignorantes que vivem obtusamente em torno do futebol, que utilizam a camiseta do seu time não apenas para se identificar com outros torcedores, mas aqueles que se confrontam com os demais, que não aceitam pensamentos diversos (se bem que duvido que o fascista de plantão pense em algo complexo, mas apenas na relação do que quer e quem o impede de tê-lo, mero instinto animal) e diferentes dos próprios....  Não esqueço que o fascismo é um dos tentáculos do capitalismo, da livre iniciativa, do neo e do liberalismo político e econômico, que surge com força justamente quando o sistema de lucros perde sua força e necessita de mudanças para manter-se... Em meio da violência e apoio ao fascista, a reforma da previdência, a flexibilização das leis trabalhistas, a aceleração das privatizações, a destruição e desmobilização dos órgãos de defesa ambientais etc foram aprovadas e estimuladas...a violência contra minorias, etnias, comunidades LGBTIs  foram estimuladas... o fascista honrou o futebol como extensão do melhor sobre o pior, forte sobre o fraco....e elogiou os torcedores que agem como grupos paramilitares....


Completando a ideia: a discriminação e violência dos fanáticos (que tem lógica com a visão comercial do futebol atual)  também encontra na história do Palmeiras paralelo com o fascismo que orientou a criação do então Palestra Itália.  Eram burgueses de origem italiana que NÃO queriam agregar TODOS os ítalos-brasileiros, mas apenas aqueles que tinham poder aquisitivo, ou seja, ricos.  Não eram aqueles italianos anarquistas que lutaram na grande greve de 1917, mas justamente aqueles que contaram com a polícia para reprimir os conterrâneos pobres e explorados nas fábricas insalubres do início do século.  Era um clube para ricos e novos-ricos, que desafiavam os quatrocentões do Morumbi, adversários mais que no futebol, mas na disputa de mercado... Negros não tinham vez, somente em 1942, com um jogador chamado Og Moreira, um carioca "importado" do Fluminense para compor um clube de nome novo (Palestra > Palmeiras), diretoria nova, porque o Brasil como nação foi à luta contra o fascismo na Itália...

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Og Moreira: o primeiro negro a jogar no Palmeiras, em 1942

PS1: antes os negros não tinham vez, agora são aqueles que leem...
PS2: O autor da letra do hino do Palmeiras foi meu tio-avô sabe-se-lá o quanto distante de mim, Gennaro Rodrigues, um são paulino que ganhou um concurso para dotar a melodia já existente (obra de um médico cardiologista, Antonio Sergi) com palavras...Lembro dele, de pijamas - daqueles de botão - na varanda em seu sítio em Igaratá, interior de São Paulo....ele tinha um papagaio que gritava desaforos para mulheres que passavam pelo portão da casa..













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